19.8.09

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Este texto de Ruben Alves, do livro O que é religião, foi retirado do artigo de José Jakubovm, "Matemática também é cultura", publicado na Revista de Ensino de Ciências, n° 23, 1989, p. 18.

... As coisas do mundo humano apresentam uma curiosa propriedade, jã sabemos que elas são diferentes daquelas que constituem a natureza. A existência da água e do ar, a alternância entre o dia e a noite, a composição do ácido sulfúrico e o ponto de congelamento da água em nada dependem da vontade do homem. Ainda que ele nunca tivesse existido, a natureza estaria aí, passando muito bem, talvez melhor... Com a cultura, as coisas são diferentes. A transmissão da herança, os direitos sexuais dos homens e das mulheres, aos que constituem crimes e os castigos que são aplicados, os adornos, o dinheiro, a propriedade, a linguagem, a arte culinária, tudo isto surgiu da atividade dos homens. Quando os homens desaparece­rem, estas coisas desaparecerão também.
Aqui está a curiosa propriedade a que nos referimos: nós nos esquecemos de que as coisas culturais foram inventadas e que, por esta razão, elas aparecem aos nossos olhos como se fossem naturais. Na gíria filosófica-sócio lógica este processo recebe o nome de reificação. Se­ria mais fácil se falássemos em coisifkação, pois é isto mesmo que a palavra quer dizer, já que ela deriva do latim res, rei, que quer dizer "coisa". Isto acontece, em parte, porque as crianças, ao nascerem, já encontram um mundo social pronto, tão pronto e ião sólido quanto a natureza. Elas não viram este mundo saindo das mãos dos seus criadores, como se fosse cerâmica recém moldada nas mãos do oleiro. Além disto, as gerações mais velhas, interessa­das em preservar o mundo frágil por elas construído com tanto cuidado, traram de esconder dos mais novos, inconscienremente, a qualidade artificial (e precária) das coisas que estão aí. Porque, caso contrário, os jovens poderiam começar a ter ideias perigosas... De fato, se tudo q que constitui o mundo humano é artificia! e convencional, então este mundo pode ser abolido e refeito de outra forma. Mas quem se atreveria a pensar pensamentos como este em relação a um mundo que tivesse a solidez das coisas naturais?
Isto se apiica de maneira peculiar aos símbolos. De tanto serem repetidos e compartilhados, de tanto serem usados, com sucesso, à guisa de receitas, nós os teificamos, passamos a tratá-los como se fossem coisas. Todos os símbolos que são usados com sucesso experimentam esta metamorfose. Deixam de ser hipóteses da imaginação e passam a ser tratados como manifes-rações da realidade. Certos símbolos derivam o seu sucesso do seu poder para congregar os homens, que os usam para definir sua situação e articular um projeto comum de vida. Tal é o caso das religiões, das ideologias, das utopias. Outros se impõem como vitoriosos pelo seu poder pata resolver problemas ptáticos, como é o caso da magia e da ciência. Os símbolos vitoriosos, e exatamente por serem vitoriosos, recebem o nome de verdade, enquanto que os símbolos derrotados são ridicularizados como superstições ou perseguidos como heresias...

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