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A matematica em todos os tempos
Em todas as épocas da evolução humana, mesmo nas mais atrasadas, encontra-se no homem o sentido do número. Esta faculdade lhe permite reconhecer que algo muda em uma pequena coleção (por exemplo, seus filhos ou suas ovelhas) quando, sem seu conhecimento direto, um objeto tenha sido retirado ou acrescentado. O sentido do número, em sua significação primitiva e no seu papel intuitivo, não se confunde com a capacidade de contar, que exige um fenómeno mental mais complicado. Se o contar é um atributo exclusivamente humano, algumas espécies de anímais parecem possuir um sentido rudimentar do número. Assim opinam, pelo menos, observadores competentes dos costumes dos animais. Muitos pássaros têm o sentido do número. Se um ninho contém quatro ovos, pode-se tirar um sem que nada ocorra, mas o pássaro provavelmente abandonará o ninho se faltarem dois ovos. De alguma forma inexplicável, êle pode distinguir dois de três.
O corvo assassinado
Um senhor feudal estava decidido a matar um corvo que tinha feito ninho na torre de seu castelo. Repetidas vezes tentou surpreender o pássaro, mas em vão; quando o homem se aproximava, o corvo voava de seu ninho, colocava-se vigilante no alto de uma árvore próxima, e só voltava à torre quando já vazia. Um dia, o senhor recorreu a um truque: dois homens entraram na torre, um ficou lá dentro e o outro saiu e se foi. O pássaro não se deixou enganar e, para voltar,
que o segundo homem tivesse saído. O estratagema foi repetido nos dias seguintes com dois, três e quatro homens, sempre sem êxito. Finalmente, cinco homens entraram na torre e depois saíram quatro, ura atrás do outro, enquanto o quinto aprontava o trabuco à espera do corvo. Então o pássaro perdeu a conta e a vida.
As espécies zoológicas com sentido do nu-. mero são muito poucas (nem mesmo incluem os monos e outros mamíferos). E a percepção de quantidade numérica nos animais é de tão limitado alcance que se pode desprezá-la. Contudo, também no homem isso é verdade. Na prática, quando o homem civilizado precisa distinguir um número ao qual não está habituado, usa conscientemente ou não — para ajudar seu sentido do número — artifícios tais como a comparação, o agrupamento ou a ação de contar. Esta última,
especialmente, se tornou parte tão integrante de nossa estrutura mental que os teste» sobre nossa percepção numérica direta resultaram decepcionantes. Essas provas concluem que o sentido visual! direto do número possuído pelo homem civilizado raras vezes ultrapassa o número quatro, e que o sentido tátil é ainda mais limitado.
Limitações vem de longe
Os estudos sobre os povos primitivos fornecem uma notável comprovação desses resultados. Os selvagens que não alcançaram ainda o grau de evolução suficiente para contar com os dedos estão quase completa-mente desprovidos de toda noção de número. Os habitantes da selva da África do Sul não possuem outras palavras numéricas além de um, dois e muitos, e ainda essas palavras estão tão desvinculadas que se pode duvidar que os indígenas lhes atribuam um sentido bem claro.
Realmente não há razões para crer que nossos remotos antepassados estivessem mais bem equipados, já que todas as línguas europeias apresentam traços destas antigas limitações: a palavra inglesa thriee, do mesmo modo que a palavra latina ter, possui dois sentidos: "três vezes" e "muito". Há evidente conexão entre as palavras latinas três (três) e trans (mais além). O mesmo acontece no francês: trois (três) e três (muito).
Como nasceu o conceito de número? Da experiência'? Ou, ao contrário, a experiência serviu simplesmente para tornar explícito o que já existia em estado latente na mente do homem primitivo? Eis aqui um tema apai-xonante para discussão filosófica.
Julgando o desenvolvimento dos nossos ancestrais pelo estado mental das tribos selvagens atuais, é impossível deixar de concluir que sua iniciação matemática foi extremamente modesta. Um sentido rudimentar de número, de alcance não maior que o de certos pássaros, foi o núcleo do qual nasceu nossa concepção de número. Reduzido à percepção direta do número, o homem não teria avançado mais que o corvo assassinado pelo senhor feudal. Todavia, através de uma série de circunstâncias, o homem aprendeu a completar sua percepção limitada de número com um artifício que estava destinado a exercer influência extraordinária em sua vida futura. Esse artifício é a operação de contar, e é a êle que devemos o progresso da humanidade.
O número sem contagem
Apesar disso, ainda que pareça estranho, é possível chegar a uma ideia clara e lógica de número sem recorrer à contagem. Entrando numa sala de cinema, temos diante de nós dois conjuntos; o das poltronas da sala e o dos espectadores. Sem contar, podemos assegurar se esses dois conjuntos têm ou não igual número de elementos e, se não têm, qual é o de menor número. Com efeito, se cada assento está ocupado e ninguém está de pé, sabemos sem contar que os dois conjuntos têm igual número. Se todas as cadeiras estão ocupadas e há gente de pé na sala, sabemos sem contar que há mais pessoas que poltronas.
Esse conhecimento é possível graças a um procedimento que domina toda a matemática, e que recebeu o nome de correspondência biunívoca. Esta consiste em atribuir a cada objeto de um conjunto um objeto de outro, e continuar assim até que um ou ambos os conjuntos se esgotem.
A técnica de contagem, em muitos povos primitivos, se reduz precisamente a tais associações de ideias. Eles registram o número de suas ovelhas ou de seus soldados por meio de incisões feitas num pedaço de madeira ou por meio de pedras empilhadas. Temos uma prova desse procedimento na origem da palavra "cálculo", da palavra latina ccàculus, que significa pedra.
A ideia de correspondência
A correspondência biunivoca resume-se numa operação de "fazer corresponder". Pode-se dizer que a contagem se realiza fazendo corresponder, a cada objeto da coleção(conjunto),um número que pertence àsucessão natural: 1, 2, 3
A A A A
1 2 3 4 ...
A gente aponta para um objeto e diz: um; aponta para outro e diz: dois; e assim sucessivamente até esgotar os objetos da coleção; se o último número pronunciado fòr oito, dizemos que a coleção tem oito objetos e é um conjunto finito.
Mas o homem de hoje, mesmo com conhecimento precário de matemática, começaria a sucessão numérica não pelo um mas por. zero, e escreveria assim:
0, 1,2, 3,4...
É a sucessão dos números inteiros (formada pela dos números naturais com o acréscimo do elemento zero). A criação de um símbolo para representar o "nada" constitui um dos atos mais audaciosos da história do pensamento. Essa criação é relativamente recente (talvez pelos primeiros séculos da era cristã) e foi devida às exigências da numeração escrita. O zero não só permite escrever mais simplesmente os números, como também efetuar as operações. Imagine o leitor — fazer uma divisão ou multiplicação em números romanos! E no entanto, antes ainda dos romanos, tinha florescido a civilização grega, onde viveram alguns dos maiores matemáticos de todos os tempos; e a nossa numeração é muito posterior a todos eles.
Do relativo ao absoluto
Pareceria à primeira vista que o processo de correspondência biunívoca só pode fornecer um meio de relacionar, por comparação, dois conjuntos distintos (como o das ovelhas do rebanho e o das pedras empilhadas), sendo incapaz de criar o número no sentido absoluto da palavra. Contudo, a transição do relativo ao absoluto não é difícil.
Criando conjuntos -modelos, tomados do mundo que nos rodeia, e fazendo, cada um deles caracterizar um agrupamento possível, a avaliação de um dado conjunto fica reduzida à seleção, entre os conjuntos modelos, daquele que possa ser posto em correspondência biunívoca com o conjunto dado.
Começou assim: as asas de um pássaro podiam simbolizar o número dois, as folhas de um trevo o número três, as patas do cavalo o número quatro, os dedos da mão o número cinco. Evidências de que essa poderia ser a origem dos números se encontram em vários idiomas primitivos.
É claro que, uma vez criado e adotado, o número se desliga do objeto que o representava originalmente, a conexão entre os dois é esquecida e o número passa por sua vez a ser um modelo ou uni símbolo! À medida que o homem foi aprendendo a servir-se cada vez mais da linguagem, o som das palavras que exprimiam os primeiros números foi substituindo as imagens para as quais foi criado. Assim, os modelos concretos iniciais tomaram a forma abstrata dos nomes dos números. É impossível saber a idade dessa linguagem numérica falada, mas sem dúvida ela precedeu de vários milhares de anos a aparição da escrita.
Todos os vestígios da significação inicial das palavras que designam os números foram perdidos, com a possível exceção de cinco (que em várias línguas queria dizer mão, ou mão estendida). A explicação para isso é que, enquanto os nomes dos números se mantiveram invariáveis desde os dias de sua criação, revelando notável estabilidade e semelhança em todos os grupos linguísticos, os nomes dos objetos concretos que lhes deram nascimento sofreram uma metamorfose completa.
À procura do zero
No que diz respeito à estrutura dos nomes dos números, descobriu-se uma uniformidade impressionante. Em todos os lugares, os dez dedos da mão deixaram sua marca permanente. Desde os primeiros tempos da história egípcia estabeleceu-se um sistema de numeração decimal. Esse sistema não tinha um sinal particular para o zero, embora em certos casos os escribas o usassem intuitivamente, pois deixavam um espaço vazio em seu lugar. A escrita egípcia possuía símbolos particulares para as unidades, dezenas, centenas, milhares, etc., repetindo-os da direita para a esquerda tantas vezes quantas necessárias para exprimir o número desejado.
i=i, 10 = n ; 100 = e
Assim: 123 = 111000
A numeração dos babilónios — que usavam apenas dois símbolos, um representando as unidades e outro as dezenas — apresentava duas originalídades: o sistema de posição e a base sexagesimal (apesar de conhecerem também a base decimal). Nesse sistema, o valor de um símbolo depende da sua posição relativa dentro do número escrito, sendo mantido o valor das unidades de primeira ordem, multiplicadas por 60 as de segunda ordem, por 602 as de terceira ordem, e assim por diante. Por exemplo, o número 327 significaria entre os babilónios:
OX602) + (2X60) + 7
l.a ordem 2.a ordem 1.a ordem
(centena^) (dezena) (unidade)
No atual sistema decimal, seria:
(3X102) + (2x10) + 7centena dezena unidade
Não existia um símbolo especial para o zero: no período mais avançado da civilização babilónica, êle era escrito no início de um número, simplesmente para preencher um espaço vazio. Sentia-se a necessidade de indicar as ordens que faltavam, pois o símbolo da unidade poderia significar tanto 1 como 1.0 (=60) ou 1.00 ( = 602= 3 600). Embora em algumas tabuinhas houvesse também um espaço vazio para indicar o zero, este ainda não tinha a função de número.
A influência do sistema sexagesimal dos babilónios até hoje persiste na divisão da hora (60 minutos) e do minuto (60 segundos). Também no ângulo cada grau é dividido em 60 minutos.
Os maias, cujo sistema de numeração era adaptado ao número de dias do ano e tinha base 20, possuíam um símbolo para o zero, mas usado só em conexão com o calendário.
Assim como na China, na Grécia do apogeu (três séculos antes de Cristo) provocava admiração quem fosse bom calculista. O sistema numérico dos gregos empregava as nove primeiras letras do alfabeto para os números de 1 a 9, as nove seguintes para os números de 10 a 90 e mais nove letras para os números de 100 a 900, num total de 27 símbolos.
Como nessa época o alfabeto grego continha somente 24 letras, mais duas letras (F e Q) foram introduzidas, e a outra foi tirada do alfabeto fenício (S). Tamanha complicação de sinais nas contas era devida exata-mente à falta do zero, o que acarretava o desdobramento dos símbolos.
Embora já existissem sistemas numéricos com o uso do zero, na índia e entre os maias, apenas por volta do ano 1000 é que o zero e os atuais símbolos gráficos foram trazidos para a Europa pelos árabes, e por isso são chamados algarismos arábicos
Enc; conhecer
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