Física
Os principios sem fim
Nos dias atuais, definir a Física é complicado. Nos tempos em que a Grécia era o berço da civilização, a classificação das ciências era muito mais simples, e •physikos era a filosofia natural, o estudo da natureza. Mais tarde, o termo Física passou a corresponder a um campo restrito, a saber, aos fenómenos em que a espécie da substância dos corpos não se altera (por ex.: na evaporação da água, esta continua a ser água); cm contraposição, denominou-se Química a ciência dos fenómenos cm que ocorrem mudanças na espécie das substâncias (por ex.: na eletrólise da água, esta decompõe-se em oxigénio e hidrogénio).
A partir das descobertas de Becquerel, do casal Curie, Ruthcrford, Joliot e Irene Curic, e Fermi, entre outros, cresceram as dificuldades para se enunciarem definições exatas, pois a radiatividade, a desintegração nuclear, as reações nucleares, a produção de elementos artificiais e a fissão nuclear não só constituíram novidades, mostrando profundas transformações na estrutura da matéria, como abalaram toda a confiança dos que esperavam ver conhecidos em pouco tempo todos os fenómenos da natureza.
A Física continua a ser, como a definiram os gregos, o estudo da natureza, mas de uma forma até há pouco totalmente inesperada: muda constantemente seu horizonte, abre novas perspectivas, vê seus campos de investigação desmembrarem-se em especialidades como a Eletrônica, a Astrofísica, a Geofísica, etc. Para atingir seus objetivos, usa os recursos da experimentação, da matemática e da lógica. A combinação desses recursos, conforme os princípios elaborados nos séculos anteriores, tem-se mostrado algumas vezes insuficiente para resolver certos problemas de Física, o que exige a ousada formulação de novos princípios gerais, por cientistas de génio, como aconteceu com Eins-tein quando desenvolveu a Teoria da Relatividade.
A Física Glássica é entendida como aquela que trata dos fenómenos que podem ser explicados sem se fazer aplicação de duas grandes teorias do nosso século: a Teoria Quântica e a Teoria da Relatividade. A primeira destas serviu, sobretudo, para entendimento dos fenómenos microscópicos, isto é, fenómenos que ocorrem na escala atómica e nuclear. E a segunda serviu inicialmente para interpretar fenómenos na escala cósmica, embora também depois tenha sido aplicada na escala atómica e nuclear. A Física que permite conhecer a estrutura nuclear, que estabelece ser a velocidade da luz uma velocidade-limite no universo, é a Física Moderna.
Experimentar para saber
O teste definitivo de qualquer lei, hipótese ou teoria continua sendo a experimentação. Por dedução ou intuição, procura-se chegar à formulação de leis simples ou complexas que abranjam o maior número de fenómenos de determinado campo. É claro que isso não pode ser feito de repente, mas exige um considerável trabalho de interpretação e generalização.
Quem impôs a experiência como teste definitivo de qualquer proposição foi Galilcu. Antes dele supunha-sc que tão só o poder do cérebro bastava para resolver todos os problemas. Como Aristóteles era um grande sábio, que havia pensado sobre tudo ou quase tudo, os ensinamentos dele e mais a Bíblia deviam conter as chaves para todos os conhecimentos humanos. Em Aristóteles constava que a velocidade com a qual corpos diferentes caem sobre a Terra era proporcional ao seu peso. Galileu, deixando cair dois pesos diferentes da torre de Pisa (que já era inclinada), demonstrou que o tempo de queda era o mesmo, e portanto as velocidades nao podiam ser desiguais.
Atualmente, com a evolução sofrida pela fisica, os métodos usados nem sempre são tão simples como os de Galileu, isto é, experiências e anotação de experiências. Entre outros, além do método experimental, sempre presente, temos:
a) Interpretação de novos fenómenos conhecidos — Einstein, partindo da experiência de Michelson e Morley, que demonstrava a independência da velocidade da luz em relação ao movimento da Terra, concluiu ser a mesma independente de qualquer sistema de referência. A partir daí, entre outras conclusões, chegou a sugerir não ser o tempo, como se imaginava, uma grandeza independente da velocidade. Foi mais além, previu a dependência da massa com a velocidade, e previu ainda uma das relações fundamentais de nossos dias, a famosa equação
E = m.c2, que relaciona massa e energia;
b) Analogia entre fenómenos conhecidos — Sabia-se desde o século XIX que todos os elementos emitem linhas de cores determinadas, com comprimentos de onda conhecidos. Fraunhofer, um dos maiores pesquisadores nesse campo, ficou muito intrigado ao descobrir que, emalguns espectros,na região onde deveriam aparecer raias coloridas,surgiam raias negras. Kirchhoff explicou as raias negras como correspondendoa raias de absorção: o átomo é capaz deabsorver luz dos mesmos comprimentos deonda da que é capaz de emitir, e as raias negras correspondem aos comprimentos de ondadas luzes absorvidas. Mossbauer, raciocinando por analogia, concluiu que o núcleo,por emitir também radiação eletromagnética,aliás de comprimento de onda bem mais curto, deveria ser capaz de absorver a radiação emitida. Finalmente, por meios engenhosos, evidenciou o fenómeno, que se tomou conhecido como efeito Mosshauer, possibilitando um novo e poderoso meio de pesquisa, ainda cm desenvolvimento;
c) Aplicação de -princípios gerais— No estudo das radiações emitidas pelassubstâncias radiativas, as medidas revelaram que a energia emitida nas radiações alfa( a )e gama ("Y ) de um isótopo era constante,mas na radiação beta ( (3 ) isso não acontecia: eram encontrados elétrons de todas asenergias, desde zero até um valor máximo.Foi por aplicação do princípio da conservação da energia que se aventou a existênciade uma partícula responsável pelo transporteda parcela de energia que, para cada clétron,faltava para completar aquele valor máximoobservado, o qual devia corresponder à energia total libertada na emissão dos raios beta.Essa hipotética partícula, denominada neu-trino, foi tão difícil de detectar que somenteem 1954 foi identificada. Com efeito, o neu-tríno, dotado de massa extremamente pequena e de carga nula, pode atravessar ummilhão de quilómetros de chumbo, sem provocar nenhuma ionização.
Um mistério resolvido
Medidas da radiação cósmica, em 1937. permitiram a descoberta de uma nova partícula chamada mesótron ou méson por ter massa intermediária entre a do elétron e a do próton. Embora impreciso o resultado, este parecia ser uma confirmação das ideias de Yukawa (1935) sobre a origem das forças nucleares. A guerra mundial adiou a solução do problema, mas, com o reinicio das pesquisas, em 1947, trabalhando com emulsões fotográficas, César Lattes, físico brasileiro, G. P. S. Occhialini (que trabalhara antes no Brasil) e C. F. Powell descobriram experimentalmente outra espécie de partícula, também dotada de - massa intermediária (compreendida entre 264 e 273 vezes a massa do elétron). Estes corpúsculos, chamados mésons JH_ ou píons, interagem intensamente com a matéria nuclear e se identificam com os mésons previstos teoricamente por Yukawa. Ás experiências daquela equipe (Lattes e companheiros) provaram que um méson pi se desintegra facilmente, resultando outro méson de massa menor, denominado méson ^jU* ou múon, c um neutrino. Estes mésons mu (cuja massa vale cerca de 207 vezes a massa do elétron) são precisamente os mésons observados desde 1937 nos raios cósmicos c que, por serem muito penetrantes, não podiam ser os mésons preditos por Yukawa, pois estes têm interação fraquíssima com a matéria atravessada. Assim ficou brilhantemente esclarecida a questão.
Os primeiros mésons identificados eram positivos, e logo depois foram encontrados os correspondentes negativos. Esse é outro exemplo de analogia com fenómeno já conhecido. Assim como os fótons estão relacionados com as forças eletromagnéticas, os mésons estão com as forças nucleares.
Os grandes princípios
Os grandes princípios de conservação, na Física, leis gerais que valem em todos os seus campos, são:
1) conservação da quantidade de movimento (produto da massa pela velocidade);
2) a lei ou princípio de conservação da energia;
3) a lei ou princípio da conservação da carga elétrica.
A lei ou princípio da conservação da quantidade de movimento, linear ou angular, foi introduzida por Newton.
Entre seus êxitos, este princípio conta o de ter esclarecido as leis de Kepler sobre os movimentos dos astros. Assim que os fenómenos atómicos e nucleares foram mais bem compreendidos, a aplicação do mesmo principio trouxe novos esclarecimentos a respeito da estrutura da matéria. Da escala cósmica à escala nuclear, o princípio da conservação da quantidade de movimento manteve-se triunfante.
Massa igual à energia
O princípio da conservação da energia também foi obscuramente formulado por Newton. Não negando sua origem, só era aplicado para a Mecânica. No século XIX, graças a Joule, Mayer e outros, estendeu-se sua aplicação ao calor e outras formas de energia. Por fim, a validade do princípio abrangeu a equivalência de massa c energia, confirmada, pelos mais recentes progressos da Física, assim novamente abarcando os fenómenos desde a escala cósmica até a nuclear.
Foi Einstcin quem encontrou a fórmula que liga massa e energia. Em última análise, a energia é massa e a massa é energia. Em todos os fenómenos, inclusive os nucleares, a cada diminuição de massa corresponde uma emissão de energia. A energia radiante, por sua vez, é sensível aos campos gravitacionais intensos, sofrendo desvio considerável na proximidade de corpos de grandes massas. Oprincípio da conservação da energia permite, pois, realizar cálculos precisos das minúsculas energias envolvidas nos processos nucleares, além de estabelecer os desvios que sofrem os raios de luz no seu movimento peio espaço. Einstein acreditava, inclusive, que seria possível representar toda realidade por meio de campos de força, onde a matéria nada mais seria que uma região de alta intensidade de campo.
A conservação da carga elétríca
A eletricidade, embora conhecida desde Tales, na Grécia antiga, poucos progressos fez durante quase vinte séculos. Quando começou a despertar a atenção dos pesquisadores como fenómeno mensurável, verificou-se que, toda vez que se eletrizava um corpo por atrito com outro corpo, este ficava carregado com eletricidade de igual valor e sinal contrário ao do primeiro corpo. Essas evidências, e mais o fato de que a matéria em estado natural não possui carga manifesta, deram origem ao princípio da conservação da carga elétrica, que hoje tem uma explicação genialmente simples: toda vez que ocorre uma eletrização, esta é positiva, se faltam elé-trons; e negativa, se eles aparecem cm excesso, pois o átomo que os engloba tem um núcleo positivo (constituído por prótons c nêutrons) neutralizado pelos elétrons negativos que gravitam ao seu redor.
Da experiência à essência
Todos os setores da Física desenvolvem-se paralelamente, embora em diferentes estágios de evolução. Tomemos em particular o Eletromagnetismo Clássico e tentemos acompanhar seus passos.
Começou verificando-se os fenómenos da eletrização por atrito e as propriedades niag-néticas de certos minerais. Foi uma fase puramente descritiva, de coleta de dados. Séculos após, houve experiências de medida, procurando estabelecer fórmulas gerais para os fenómenos observados: a) as experiências de Coulomb, demonstrando o comportamento da força elétrica a distância; b) as experiências de Oersted, demonstrando a intera-ção entre corrente elétrica e agulhas imantadas; c) as experiências de Ampere, provando a interação entre correntes.
Com Faraday e suas experiências — sôbre as variações do campo magnético como causa do campo elétrico — chegou-se ao âmago dos fenómenos do Eletromagnetismo. Mas só uma teoria geral, completa e coerente, poderia coroar a evolução e chegar à essência última dos fenómenos. Isso ocorreu com as equações de Maxwell, que tornaram possíveis até certas previsões (sobre a das ondas eletromagnéticas) por exemplo como se, depois de longa caminhada na encosta de uma montanha íngreme, descortinasse claramente lá do topo, novos caminhos já percorridos, como outros que levam a novas e empolgantes descobertas.
Em tudo isso entra a Física
Descobre-se um esqueleto num local que guarda documentos de antigas civilizações. De que época "será? O método do carbono radiativo permite conhecer a ocasião da morte do animal e dessa forma se reúnem meios para uma datação histórica. É a Física na História. A origem da Terra pode ser determinada quando se estuda numa rocha uranífera a relação entre o chumbo Pb-206 e o urânio U-238. É a Física na Cosmogonia, Também a origem das diversas rochas pode ser determinada por processos radiativos. É a Física na Geologia.
O feldspato, fonte do potássio empregado na indústria de louças, pode ser pesquisado por meio de um isótopo radiativo de potássio. Detectando essa atividade é possível determinar a presença ou não de feldspato num lençol subterrâneo. É a Física na Prospecção. Luigi Galvani, em 1780, com suas experiências sôbTe eletrici-dade animal, tornou-se pioneiro do que hoje constitui a Biofísica. E Lee De Forest, quando em 1906 inventou o áudion, válvula primitiva, iniciou a Eletrônica. Enrico Fermi, com seu primeiro reator de 1942, deu origem à Engenharia Nuclear.
Além disso, a Física está intimamente ligada à Astronomia e à Astronáutica, visto que intervém tanto na construção de naves espaciais como no estudo de tudo o que ocorre nos satélites, planetas, estrelas e sistemas estelares, nebulosas e galáxias inteira?.
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