4.12.10

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A Lenda da mandioca

Nasceu uma indiazinha linda e a mãe e o pai tupis espantaram-se:
— Como é branquinha esta criança!
Chamaram-na Mani. Comia pouco e pouco bebia. Mani parecia esconder um mistério.
Uma bela manhã, não se levantou da rede.
O pajé deu ervas e bebidas à menina.
Mani sorria, sem doença e sem dor.
E, sorrindo, Mani morreu.
Os pais a enterraram dentro da própria oca e regavam sua cova com água (como era costume dos índios tupis), mas também com lágrimas de saudade.
Um dia, perceberam que do túmulo de Mani rompia uma plantinha verde e viçosa.
A planta,desconhecida crescia depressa.
Poucas luas se passaram e ela estava altinha, com um caule forte que até fazia a terra se rachar em torno.
—         Vamos cavar?  comentou a mãe de Mani.Cavaram pouco e, à flor da terra, viram umas raízes
grossas e morenas, quase da cor dos curumins, nome que dão aos indiozinhos. Mas, sob a casquinha marrom, lá estava a polpa branquinha, quase da cor de Mani.
—  Vamos chamá-la Mani-oca, resolveram os índios.
Transformaram a planta em alimento.
E até hoje entre os índios do Norte e do Centro do Brasil é este um alimento muito importante.
E, em todo Brasil, quem não gosta da mandioca?
MARIA THEREZA C. DE GIÁCOMO, A Lenda da Mandioca,
Ed.  Melhoramentos, 1974.  (Adaptação)
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A LUA VAI AO DENTISTA

Anoiteceu. Apareceu no céu uma Lua de cara inchada. O galo saiu para o meio do quintal e cantou:
—    Có-ró-có-có, boa-noite, Dona Lua!
A Lua fez uma careta e respondeu:
—    Não me amole, gaio bobo! Estou com dor de dente.
Então o cachorro, que era muito intrometido, ladrou:
—   Au! Au! Au! Se a senhora está com dor de dente
por que não vai ao dentista?
.— É mesmo — gritou a Lua, admirada. — Eu não me lembrei disso!
Botou o chapéu na cabeça e foi para o dentista. O Céu e a Terra ficaram muito escuros. Sozinhas, as estrelas não tinham força para alumiar. E mesmo começaram a tremer de medo e acabaram entrando para dentro de suas
Casas.
ÉRICO VERÍSSIMO, Gente e Bichos, Ed. Globo, P. Alegre.
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A PERALTICE DE JULINHO

Uma tarde eu estava sentada no meu canto fazendo tricô quando Isabel entrou muito excitada, falando alto, os
olhos enormes:
— Mamãe, a senhora não sabe o que Julinho fez: abriu a porta da carrocinha dos cachorros e soltou toda a cachorrada na rua.
Levei um susto e, pondo de lado o meu trabalho, perguntei:
—    O que, Isabel? Conte direito porque eu não sei o que você está fafando.
—    Nós íamos pela Rua Sergipe, mamãe, levar a encomenda que a senhora mandou; entregamos o pacote lá e
íamos voltando.   Quase na esquina da Avenida estava parada uma carrocinha cheia de cachorros; então Julinho
disse:
—   Se eu pudesse, soltava esses coitados.
Eu disse:
—   Nem pense isso, vamos embora.
E começamos a subir a Avenida, mas Julinho olhava para trás de dois em dois minutos; de repente ele gritou:
—  Vá andando, Isabel, que eu já vou.
Voltou correndo e ficou perto da carrocinha, olhando. Eu parei para ver.
Enquanto os homens estavam caçando um cachorri­nho sem rabo, Julinho foi atrás, abriu a portinhola e saiu correndo.
Todos os cachorros pularam na mesma hora e come­çaram a correr pela rua; os homens, quando viram, gritaram:
—  Pega!  Pega!
Os homens gritavam "pega" para Julinho e não para os cachorros.
Julinho corria feito louco, depois virou a esquina e não o vi mais.
Todo o mundo saiu nas janelas e foi um barulhão na rua.
No fim, os homens perderam Julinho de vista e per­guntaram:
—  Não viu o menino que soltou os cachorros?  
Se nós pegamos ele de jeito, vai ver.
MARIA JOSÉ DUPRÉ, Éramos Seis, Ed. Ática, São Paulo.    (Adaptação).
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O Sanduiche Bauru

Numa tarde de 1939, um certo Casimiro Pinto Neto, mais conhecido por Bauru (nome da cidade onde morava), estudante da Faculdade de Direito do Largo de São Fran­cisco, em S. Paulo, saiu da escola louco por um sanduíche.
Tomou o rumo, então, do velho "Ponto Chie", restau­rante de São Paulo, local de encontro da maioria dos estudantes.
Chegou no balcão e, ao invés de um sanduíche qual­quer, orientou o cozinheiro com esta inédita receita:
— Me faz aí um sanduíche. Mas escuta, eu quero um sanduíche assim: quero queijo derretido, rosbife e tomate.
Pronto. Estava nascendo o bauru do Bauru. Os fre­quentadores, experimentando a invenção, passaram a imi­tar Casimiro Neto. Chegavam no balcão e pediam: "Quero um sanduíche que nem o do Bauru". O cozinheiro, claro, já sabia como prepará-lo.
Aos poucos o "sanduíche bauru" foi sendo vendido não só nos bares e lanchonetes de, São Paulo como tam­bém nas outras cidades do Brasil.
Com o tempo, o sanduíche sofreu algumas modifica­ções. O tipo mais comum leva presunto no lugar de ros­bife, acrescentando-se às vezes uma folha de alface.
E você, já comeu um "bauru"?

Fonte de informação — Folha de São Paulo
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ERA UMA VEZ

Era uma vez um rato.                  Era uma vez um homem.
Era muito medroso!                                Isso mesmo.
Não safa de casa.                              Ele não safa de casa.
Tinha um  medo sem fim!                  Era tão medroso.
— 0 gato é tão perigoso!            Tinha um medo sem fim:
— O  leão é tão perigoso. Era uma vez um gato.
Era muito medroso.                       Era uma vez um leão.
Não saia de casa.                            Pois é. Ele era medroso.
Tinha um medo sem fim:             Tinha um medo sem fim:
-    0  cachorro  é tão  perigoso .     - 0 elefante é tão perigoso .
Era uma vez um cachorro.          Era uma vez um elefante.
Era tão medroso.                                         Bem grande.
Não saia de casa.                                 Pois ele era medroso.
Tinha um medo sem fim:             Tinha um medo sem fim:
-    0   lobo  é  tão   perigoso .           - 0 rato é tão perigoso .
Era uma vez um  lobo.                          Sônia robatto
Era muito medroso.
Não safa de casa.
Tinha um medo sem fim:
— 0   homem  é  tão   perigoso.
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INFÂNCIA DE UM BURRO

Eu vivia preso com minha mãe num pasto cercado de arame farpado.
Um dia descobri uma abertura na cerca, no lugar onde havia um mourão caído. Para passar um burrinho do meu tamanho dava de sobra. Num instante me encon­trei do lado de fora do pasto.
A primeira coisa que fiz foi correr para o areão. Deitei-me sobre a areia branca e pus-me a brincar, revol­vendo-me naquele chão.
Atrás de uma pedra descobri um pequeno córrego que corria entre tufos de relva, na sombra.
Nunca bebi uma água tão fresca em toda a minha vida!
Do outro lado ficava a mata. Atravessei o córrego e dei uma corrida até lá, galopando. Comi umas frutinhas vermelhas, cujo nome até hoje não sei.
Quando resolvi voltar ao pasto, senti, de repente, apertar-se em volta do meu pescoço uma corda. Ao mesmo tempo escutei a voz do meu dono:
—  Este burrinho está me saindo muito esperto. Como
terá conseguido atravessar a cerca?
Descobriu a abertura na cerca e a consertou. Ouvi quando ele disse ao empregado:
—  Mas que burrinho sabido, hem?   Agora quero ver
se ele vai fugir de novo.
Desde aquele dia ganhei a fama de esperto, que afinal não chega a ser motivo de vergonha para um burro, ou mesmo para um homem.
HERBERTO SALES, Memórias de um Burro Brasileiro, Ed.   de Ouro.     (Adaptação).
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O MISTÉRIO DO COELHO PENSANTE

A coisa especial que acontecia com aquele coelho era também especial com todos os coelhos do mundo. É que ele pensava essas algumas ideias com o nariz dele. O jeito de pensar as ideias dele era mexendo bem depressa o nariz. Tanto franzia e desfranzia o nariz que o nariz vivia cor-de-rosa. Quem olhasse podia achar que pensava sem parar. Não é verdade. Só o nariz dele é que era rápido, a cabeça não. E para conseguir cheirar uma só ideia, preci­sava franzir quinze mil vezes o nariz.
Pois bem. Um dia o nariz de Joãozinho — era assim que se chamava esse coelho — um dia o nariz de Joãozi­nho conseguiu farejar uma coisa tão maravilhosa que ele ficou bobo. De pura alegria, seu coração bateu tão de­pressa como se ele tivesse engolido muitas borboletas. Joãozinho disse para ele mesmo:
— Puxa, eu não passo de um coelho branco, mas acabo de cheirar uma ideia tão boa que até parece ideia de menino!
E ficou encantado. A ideia que tinha cheirado era tão boa quanto o cheiro de uma cenoura fresca.
Joãozinho começou então a trabalhar nessa ideia. E para isso precisou mexer tanto o nariz que dessa vez o nariz ficou quase vermelho. Coelho tem muita dificuldade de pensar, porque ninguém acredita que ele pense. E nin­guém espera que ele pense. Tanto que a natureza do coelho até já se habituou a não pensar. E hoje em dia eles todos estão conformados e felizes. A natureza deles é muito satisfeita: contanto que sejam amados, eles não se incomodam de ser burrinhos.
Clartice Lispector, Jose Alvaro editor S.A
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UMA  INJUSTIÇA

Nossa cozinheira é uma mulher sem coração. Uma voz ela surrou o gato com um feixe de urtigas, porque lhe pareceu que o coitado tinha furtado um fígado de frango da mesa da cozinha. Depois, quando contou os pedaços das aves e os miúdos, viu que tinha se enganado: pensou lor abatido sete frangos, e pelas suas contas devia haver nove fígados, quando de fato ela tinha matado só seis aves. Que coisa! Ela suspeitara do gato à toa...
Vocês decerto acham que a cozinheira ficou muito arrependida e foi pedir desculpas ao gato. Qual o que, ela nem pensou nisso! Esqueceu, e na verdade o próprio gato também esqueceu, pois passadas duas horas já estava tranquilamente refestelado num canto do fogão, lamben­do-se todo, como se nada tivesse acontecido. "Memória de gato", dizem por aí, e com razão.
Mas eu não esqueci. Não. Eu não esqueci, e disse à cozinheira:
— Você surrou o gato sem motivo. Você cometeu um pecado. 
 Deus vai castigá-la.
Adaptação de Tatiana Belinky


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