..
A Fé
Numa pacífica tribo de índios, preparam-se os homens para a grande cerimonia. Cada um melhor que o outro, esmeram-se todos em pintar as faces, vestir trajes coloridos, pendurar pelo corpo objetos considerados mágicos. Vai realizar-se a "dança da chuva": os instrumentos espalham sons misteriosos, e o feiticeiro, mascarado, toma o centro da roda que começa a se agitar. Batem palmas, pulam, contorcem-se ao ritmo da música; invocam o deus da chuva, há tanto tempo ausente de suas plantações.
Toca o sino da igreja matriz, numa cidadezinha do Nordeste brasileiro castigada pela seca. No interior do templo, soam os cantos em louvor a Deus. Envergando os paramentos bordados, o padre celebra o ritual da missa. Na igreja, repleta, os fiéis oram e pedem as bênçãos divinas e o alívio da longa seca.
Entre ambas as cerimónias, existe uma base comum: a firme crença numa força sobrenatural, que tem o poder de alterar a vida sobre a Terra, regendo o destino das coisas e dos homens. Tanto para o homem primitivo que dança em torno do feiticeiro, quanto para os católicos durante a missa, o ritual sagrado cumpre uma função:liga o homem aos poderes sobrenaturais.
O sentido de vínculo está contido na própria palavra religião, de origem latina (do verbo religare, isto é, atar, unir).
Muitas tribos vivem ainda hoje regidas por uma organização social bastante simples, E desde os tempos mais longínquos sempre houve homens que viveram assim. São os grupos chamados "primitivos". Entre eles, as relações económicas, sociais e políticas têm características muito especiais. E a religião é marcada por tudo isso. Ao estudar os costumes desses povos, os antropólogos constatam que sua religião nasce do sentimento de impotência diante das forças da natureza: a chuva, que ajuda as plantações, também pode precipitar-se e originar catástrofes; o rio que sobe em sua cheia, o Sol que ilumina o dia, a Lua com suas mudanças; o pé de milho que explode da semente e cresce e se ergue e se multiplica — tudo na natureza envolve mistérios.
Pouco a pouco vão sendo elaboradas explicações para esses fenómenos, que recebem nomes, transformam-se em seres benéficos ou benfazejos. Essas forças abstraias recebem forma: são peixes, são aves, são outros animais ou são pessoas. O incompreensível desaparecimento dos mortos, sobretudo dos que desfrutaram posições poderosas, como os reis, chefes tribais ou feiticeiros, origina o culto aos antepassados.
As religiões tribais ainda hoje existem. É o caso dos papuas da Nova Guiné; dos melanésios do arquipélago de Bismarck; dos bosquímanos no sul da África, e de muitos outros povos "primitivos". E em geral é evidente o objetivo intrínseco da manifestação religiosa de tornar os seres divinos propícios, favoráveis aos desejos de quem os invoca por meio de cerimonias, orações e sacrifícios. E se a adoração não chega a conquistar as entidades sagradas, que ao menos as concilie com os homens.
O totemismo é uma forma de crença bastante comum a esses povos, e aparece bem determinado entre as tribos australianas. O clã, isto é, um grupo de pessoas ligadas por laços de parentesco, considera-se subordinado a coisas sagradas: aos totens, que se apresentam sob a forma de animais (canguru, búfalo, águia), de vegetais (árvores, plantas), ou ainda elementos naturais (a chuva, os astros.). Ao mesmo tempo que é venerado, o totem é um símbolo que identifica os clãs; a águia pertence a um, o carvalho a outro, etc.
Além do totem, outras forças sao fundamentais nessas crenças das sociedades mais simples. O mana, por exemplo.
"O mana é uma força, uma influência de ordem imaterial e, em certo sentido, sobrenatural; mas é pela força física que êle se revela, ou então por toda espécie de poder e superioridade que o homem possui, podendo existir em qualquer espécie de coisa", assim o definiu Codrington, missionário inglês que estudou as crenças australianas. A mesma ideia de mana aparece entre os índios norte-americanos, com o nome de wakan, orenda ou manitu.
Entre as sociedades primitivas é também comum a ideia de tabu. Esta palavra, de origem polinésía, indica proibição e tem por fim isolar o sagrado do profano, vetar ao homem o acesso às coisas e seres divinizados. Como instituição social, o tabu é encontrado praticamente em todo o agrupamento humano. Aquele que viola os princípios estabelecidos é banido ou castigado pelo resto da comunidade. Assim, as crenças comuns são conservadas e preservadas de qualquer deturpação.
Também são comuns, entre povos menos evoluídos, as crenças animistas, que atribuem espírito à natureza e seus elementos, fenómenos geográficos, animais ou plantas. O animismo envolve também a ideia de que os mortos surgem sob a forma de espírito no mundo dos vivos; e, nessas condições, podem protegê-los ou fazer-lhes mal. Existem ainda hoje na Indonésia crenças animistas que conferem alma ao arroz, que não pode ser ofendido com palavras ou atitudes
Outra forma de veneração às forças sobrenaturais é o fetichismo (do latim factitius, Esto é, coisa feita), pelo qual certos objetos. frequentemente talhados em madeira, ) tidos como dotados de poder, acreditando-se que sirvam de morada aos espíritos.
Os deuses à imagem do homem
De modo geral, pode-se dizer que todos os povos evoluíram a patir de princípios bastante semelhantes. Assim, a crença nas forças da natureza e a transformação destas em divindades aparecem em todas as antigas religiões. Egípcios, assírios, gregos e romanos tiveram seu deus do Sol ou da Lua, das florestas ou dos rios, conglomerados em verdadeiras "comunidades" divinas. Cada deus, como os homens, tinha seus traços físicos definidos, seu caráter próprio com qualidades e defeitos, sua história particular. E chegava mesmo a comportar-se como homem, manifestando sentimentos como raiva, desejo de vingança, etc.
Partindo de bases semelhantes, as religiões foram-se diferenciando e aperfeiçoando à medida que se consolidava a estrutura diferente de cada grupo humano. De início, um ponto comum a todas elas foi o politeísmo (do grego foly, muito; theos, deus), fé em muitos deuses, correspondentes às inúmeras forças desconhecidas, ou aos espíritos de homens considerados especialmente sábios.
O caminho da unidade
A partir do politeísmo, grande parte das religiões que já se tinham delineado evoluíram no sentido de realizar uma síntese: a união de todas as divindades.
Foi uma evolução lenta e progressiva. De início, um deus do múltiplo panteão passou a desfrutar posição privilegiada entre os demais. Foi o caso de Amon, no antigo Egito, e de Zeus, no Olimpo grego. Em seguida, o deus que mais se destacava tornou-se o centro de adoração, embora se admitisse a existência de muitos deuses: é a monolatria, que precede o monoteísmo.
Foi a partir desse ponto — o monoteísmo — que se originaram o cristianismo, dominante em quase todo o mundo ocidental, e o islamismo, comum ao mundo árabe. Hoje, estas duas religiões e o judaísmo constituem as três principais religiões monoteístas, que giram em torno de uma ideia básica: a existência de um Deus único.
..