27.2.09

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A Fé


Numa pacífica tribo de índios, prepa­ram-se os homens para a grande ce­rimonia. Cada um melhor que o outro, esmeram-se todos em pintar as faces, vestir trajes coloridos, pendurar pelo corpo objetos considerados mágicos. Vai realizar-se a "dança da chuva": os instrumentos espa­lham sons misteriosos, e o feiticeiro, mascara­do, toma o centro da roda que começa a se agitar. Batem palmas, pulam, contorcem-se ao ritmo da música; invocam o deus da chuva, há tanto tempo ausente de suas plantações.
Toca o sino da igreja matriz, numa cidadezinha do Nordeste brasileiro castigada pe­la seca. No interior do templo, soam os can­tos em louvor a Deus. Envergando os para­mentos bordados, o padre celebra o ritual da missa. Na igreja, repleta, os fiéis oram e pedem as bênçãos divinas e o alívio da longa seca.
Entre ambas as cerimónias, existe uma ba­se comum: a firme crença numa força so­brenatural, que tem o poder de alterar a vida sobre a Terra, regendo o destino das coisas e dos homens. Tanto para o homem primitivo que dança em torno do feiticeiro, quanto para os católicos durante a missa, o ritual sagrado cumpre uma função:liga o homem aos poderes sobrenaturais.
O sentido de vínculo está contido na pró­pria palavra religião, de origem latina (do verbo religare, isto é, atar, unir).
Muitas tribos vivem ainda hoje regidas por uma organização social bastante sim­ples, E desde os tempos mais longínquos sempre houve homens que viveram assim. São os grupos chamados "primitivos". Entre eles, as relações económicas, sociais e polí­ticas têm características muito especiais. E a religião é marcada por tudo isso. Ao estu­dar os costumes desses povos, os antropólo­gos constatam que sua religião nasce do sentimento de impotência diante das forças da natureza: a chuva, que ajuda as planta­ções, também pode precipitar-se e originar catástrofes; o rio que sobe em sua cheia, o Sol que ilumina o dia, a Lua com suas mu­danças; o pé de milho que explode da semente e cresce e se ergue e se multiplica — tudo na natureza envolve mistérios.
Pouco a pouco vão sendo elaboradas ex­plicações para esses fenómenos, que rece­bem nomes, transformam-se em seres bené­ficos ou benfazejos. Essas forças abstraias recebem forma: são peixes, são aves, são outros animais ou são pessoas. O incom­preensível desaparecimento dos mortos, so­bretudo dos que desfrutaram posições po­derosas, como os reis, chefes tribais ou feiti­ceiros, origina o culto aos antepassados.
As religiões tribais ainda hoje existem. É o caso dos papuas da Nova Guiné; dos melanésios do arquipélago de Bismarck; dos bosquímanos no sul da África, e de muitos outros povos "primitivos". E em geral é evi­dente o objetivo intrínseco da manifestação religiosa de tornar os seres divinos propícios, favoráveis aos desejos de quem os invoca por meio de cerimonias, orações e sacrifícios. E se a adoração não chega a conquistar as entidades sagradas, que ao menos as con­cilie com os homens.
O totemismo é uma forma de crença bas­tante comum a esses povos, e aparece bem determinado entre as tribos australianas. O clã, isto é, um grupo de pessoas ligadas por laços de parentesco, considera-se subordina­do a coisas sagradas: aos totens, que se apre­sentam sob a forma de animais (canguru, búfalo, águia), de vegetais (árvores, plan­tas), ou ainda elementos naturais (a chuva, os astros.). Ao mesmo tempo que é venera­do, o totem é um símbolo que identifica os clãs; a águia pertence a um, o carvalho a outro, etc.
Além do totem, outras forças sao funda­mentais nessas crenças das sociedades mais simples. O mana, por exemplo.
"O mana é uma força, uma influência de ordem imaterial e, em certo sentido, sobre­natural; mas é pela força física que êle se revela, ou então por toda espécie de poder e superioridade que o homem possui, po­dendo existir em qualquer espécie de coi­sa", assim o definiu Codrington, missioná­rio inglês que estudou as crenças australia­nas. A mesma ideia de mana aparece entre os índios norte-americanos, com o nome de wakan, orenda ou manitu.
Entre as sociedades primitivas é também comum a ideia de tabu. Esta palavra, de origem polinésía, indica proibição e tem por fim isolar o sagrado do profano, vetar ao homem o acesso às coisas e seres divini­zados. Como instituição social, o tabu é en­contrado praticamente em todo o agrupa­mento humano. Aquele que viola os prin­cípios estabelecidos é banido ou castigado pelo resto da comunidade. Assim, as crenças comuns são conservadas e preservadas de qualquer deturpação.
Também são comuns, entre povos menos evoluídos, as crenças animistas, que atribuem espírito à natureza e seus elementos, fenó­menos geográficos, animais ou plantas. O animismo envolve também a ideia de que os mortos surgem sob a forma de espírito no mundo dos vivos; e, nessas condições, podem protegê-los ou fazer-lhes mal. Exis­tem ainda hoje na Indonésia crenças ani­mistas que conferem alma ao arroz, que não pode ser ofendido com palavras ou atitudes

Outra forma de veneração às forças sobrenaturais é o fetichismo (do latim factitius, Esto é, coisa feita), pelo qual certos objetos. frequentemente talhados em madeira, ) tidos como dotados de poder, acreditan­do-se que sirvam de morada aos espíritos.

Os deuses à imagem do homem
De modo geral, pode-se dizer que todos os povos evoluíram a patir de princípios bastante semelhantes. Assim, a crença nas forças da natureza e a transformação destas em divindades aparecem em todas as antigas religiões. Egípcios, assírios, gregos e roma­nos tiveram seu deus do Sol ou da Lua, das florestas ou dos rios, conglomerados em verdadeiras "comunidades" divinas. Cada deus, como os homens, tinha seus traços fí­sicos definidos, seu caráter próprio com qua­lidades e defeitos, sua história particular. E chegava mesmo a comportar-se como ho­mem, manifestando sentimentos como rai­va, desejo de vingança, etc.
Partindo de bases semelhantes, as reli­giões foram-se diferenciando e aperfeiçoan­do à medida que se consolidava a estrutura diferente de cada grupo humano. De início, um ponto comum a todas elas foi o politeís­mo (do grego foly, muito; theos, deus), fé em muitos deuses, correspondentes às inú­meras forças desconhecidas, ou aos espíritos de homens considerados especialmente sá­bios.
O caminho da unidade
A partir do politeísmo, grande parte das religiões que já se tinham delineado evoluí­ram no sentido de realizar uma síntese: a união de todas as divindades.
Foi uma evolução lenta e progressiva. De início, um deus do múltiplo panteão pas­sou a desfrutar posição privilegiada entre os demais. Foi o caso de Amon, no antigo Egito, e de Zeus, no Olimpo grego. Em segui­da, o deus que mais se destacava tornou-se o centro de adoração, embora se admitisse a existência de muitos deuses: é a monolatria, que precede o monoteísmo.
Foi a partir desse ponto — o monoteísmo — que se originaram o cristianismo, domi­nante em quase todo o mundo ocidental, e o islamismo, comum ao mundo árabe. Ho­je, estas duas religiões e o judaísmo consti­tuem as três principais religiões monoteístas, que giram em torno de uma ideia bási­ca: a existência de um Deus único.


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