27.2.09

Pintura, a mais antiga das artes 4

..


A mais antiga das artes IV


Há uns 600 mil anos, o gelo cobria todo o norte da Europa. Ao sul, da França Urais, estendia-se a Grande Tundra onde galopavam renas e bisontes, pastavam ma­mutes e rinocerontes lanudos. Atrás das imen­sas manadas andavam os homens; tribos nóma­des de caçadores que deviam levar uma vida se­melhante à dos índios americanos da pradaria. Os animais forneciam tudo: peles para vestir e deitar, ossos para instrumentos e adornos, carne para comer, gordura para as lâmpadas. A idade áurea da caça e da pesca na Europa. Os caçadores magdalenienses (esse é o no­me dado modernamente à sua cultura) faziam coisas quase inexplicáveis para um homem mo­derno. Metiam-se em profundas cavernas, ainda hoje dificilmente exploráveis com nos­sos recursos, carregando lenha, armas, e potes de tinta preta e tinta vermelha — fabricadas misturando gordura com carvão e terra verme­lha. Às vezes, para atingir o ponto desejado — amplos salões subterrâneos — era preciso vadear rios perigosos, descer por escarpas ín­gremes, onde, certamente, muitos morreram. Aparentemente, a regra era: quanto mais ocul­to, melhor. Atingidas as vastas galerias e sa­lões que tanto esforço custara descobrir, acen­diam-se fogueiras e os feiticeiros pintavam nas paredes (com os dedos ou pincéis primitivos os animais que viviam lá fora na tundra. Mas só os animais de caça. Nada que não fosse útil era representado. Em seguida dançava-se e as figuras eram golpeadas com lanças e flechas — ritos propiciatórios da caça. Para o caçador, de alguma maneira obscura, o destino do animal a ser caçado era selado de antemão naquela caverna.
O descuido dos pintores com sua obra era total. Uma vez usada, a figura era desprezada: raspava-se ou pintava-se por cima, como se não existisse.
Mas o eixo do planeta continuou a deslo­car-se em sua lenta progressão milenária. Na nova inclinação os gelos recuaram sob a luz do sol, a tundra desapareceu, os ricos campos de caça sumiram. Privadas de sua fonte de vida, as tribos definharam, dispersaram-se acompanharam as pequenas manadas restantes, cada vez mais para o norte. As cavernas foram fechadas pela terra, desmoronaram, ou foram levadas pelos rios. Quinze mil anos depois um garoto que brincava no mato, nos Pireneus, enfiou-se por um buraco no chão, viu alguns desenhos nas paredes e foi correndo chamar o pai. Assim ocorreu a descoberta da arte pré-histórica. Os desconhecidos autores dos dese­nhos das cavernas muito estranhariam o in­teresse por sua obra — eles que tão pouca im­portância lhe davam. Não sabiam, mas ha­viam produzido a primeira grande arte de nos­sa espécie. São desenhos de uma habilidade fabulosa. Poucos traços e os animais surgiam vivos das paredes, galopando, pastando, mor­rendo, lutando. Tal poder de síntese só seria conseguido muito mais tarde, na pintura chi­nesa e na japonesa,
A idade áurea da caça e do desenho fene­cera sem deixar herança, como uma flor sem raízes. A vida cultural e, portanto, a tradição artística dependiam da existência das mana­das. Acabadas estas, desfez-se a cultura magda­leniense, sem deixar herdeiros. Esses caçadores não foram os únicos a pintar em cavernas e lajes. Na Rodésia, no Saara, na Noruega, mes­mo no Brasil, há pinturas rupestres de primi­tivos. Mas nada se compara à extraordinária e efémera floração da arte magdaleniense. Só com o aparecimento da agricultura tornaria a surgir pintura comparável à das cavernas de Lascaux (França) e Altamíra (Espanha).


A arte dos impérios camponeses

Entre seis e cinco mil anos atrás, nos fér­teis vales do Indo, Nilo e Tigre-Eufrates, surgiram as primeiras cidades. A agricultura recém-descoberta permitiu aos homens abando­nar a vida nómade e fixar-se num território. Nas cidades a divisão do trabalho e da posse fêz aparecerem as classes sociais, entre elas a dos artesãos, gente especializada em esculpir, pintar, moldar, fundir. Ricos mercadores enco- mendavam objetos de luxo — o que fez surgi­rem as artes suntuárias e, certamente, a pin­tura de tecidos para roupa.
Mas a grande pintura, ainda dessa vez, de­senvolveu-se ligada à magia. Se antes era pre­ciso propiciar os espíritos da caça, agora tra­tava-se de cair nas boas graças dos espíritos da chuva, do vento, do granizo, da seca. Os sacer­dotes tinham por nova função assegurar a fecundidade da terra e a benignidade do céu. Mesmo antes que nas primitivas cidades sur­gissem os palácios principescos, os primeiros edifícios foram templos e neles devem ter-se produzido os primeiros afrescos — nova técni­ca de pintura que surgiu com a arquitetura. Entretanto, o mais antigo fragmento conhecido dessa técnica pertenceu ao palácio real de Mari, na Mesopotâmia — uma cena de sacrifí­cios animais. Sua preservação é um verdadei­ro milagre realizado pelas areias desérticas que o recobriram. O afresco é um método de pin­tura com resultados delicadíssimos. Os pig­mentos são empastados com ovos e aplicados diretamente no estuque fresco — daí o nome.
Ao contrário do vigoroso naturalismo que fora a arte dos magdaleníenses, a pintura mu­ral do Egito e da Mesopotâmia é hierática e solene. Não retrata o mundo, mas cosmogonias — tentativas de explicação da origem do Universo — e aventuras dos deuses. A vida diária nunca é representada. Apenas um pou­co da vida da corte transparece aqui e ali, num pequeno trecho de parede, no coração das pi­râmides que os faraós erigiam para preservar eternamente seus corpos. Uma ou outra cena de caça, pesca e dança, em que um povo mo­reno, de grandes olhos rasgados, pintado em cores chapadas e sempre de perfil, reverencia o príncipe-deus.
Na Mesopotâmia, a pintura — como o baixo-relêvo — reflete as condições da região: a guerra permanente da Idade do Bronze. Mas­sacres e mais massacres são reproduzidos mo­notonamente para imortalizar a fama dos prín­cipes guerreiros. Duas vezes maior que as ou­tras figuras, Sar o príncipe temível, pisa os vencidos ou diverte-se caçando leões. Mas pouco, muito pouco, nos restou da pintura mesopotâmica.
Na mesma época, no coração do Mediterrâ­neo, em Creta — importante centro comercial —, surge a pintura mais elegante e hedonista da antiguidade. No palácio real de Cnossos, metrópole dos mercadores, elegantíssimos tou­ros e figuras de jovens atletas e cortesãos vivem alegres cenas de jogos e procissões. Graças ao comércio, a arte dos cretenses se dissemina pe­las ilhas do Egeu e sul da Grécia.
Até que um dia guerreiros loiros — os dóricos —, descendo as montanhas da Tessália, varreram a influência cretense da península grega. Eles criaram a maior das civilizações da antiguidade — a helénica.
Paradoxalmente, nada nos resta de sua gran­de pintura nas paredes e pranchas de madeira, apenas descrições escritas que falam de uma arte realista. E as belas cerâmicas, onde os deuses são tratados com certa ironia. Contudo, através da influência grega na Itália, soube-se algo de sua arte mural.
A pintura romana também estava destinada à destruição total, não tivesse o Vesúvio soter­rado Pompéia e Herculano sob lavas e cin­zas. Mas não se pode afirmar que os afres­cos destas cidades representassem a grande pintura da época. Pelo contrário, trata-se, pro­vavelmente, de obra de segunda categoria. Ain­da assim, pode-se ver, através dela, um domínio moderno da perspectiva e da noção de volume, que será perdido nas épocas sucessivas — a Românica e a Bizantina — para reaparecer na Europa Renascentista.


A Idade Média

O grande império mediterrâneo dos roma­nos veio abaixo no século V, devorado interna­mente pelo sistema escravocrata e externamen­te pelos bárbaros. No caos geral formaram-se Bizâncio e o Império do Ocidente. Em ambos, as artes são pálida sombra do que foram na Grécia.
Os dois impérios são cristãos. Em Bizâncio a arte volta a ser monumental e hierática co­mo no velho Egito. O afresco é quase completamente substituído pelo mosaico representan­do os imperadores semidivinos confabulando pessoalmente com Jesus Cristo ou com a Virgem, é uma arte que tem por função mos­trar ao povo a origem divina do poder impe­rial.
A pintura torna-se quase que só pintura de ícones — tábuas de madeira onde são repre­sentados os feitos dos santos —, executados pe­los monges. Ao contrário dos egípcios, que só representavam de perfil, os bizantinos só de­senham os rostos de frente. Os pigmentos das tintas eram dissolvidos em cola animal para aderirem à madeira. Ou então, misturados a resinas derretidas que penetravam a madei­ra, formando, quando secas, uma superfície brilhante.
No Império do Ocidente, aparece a arte Românica, que é de inicio a arte romana de generada _ e submetida a influências asiáticas Mas logo ela se torna uma pintura extrema­mente ingénua e popularesca, em que a ten­tativa de representar a natureza é substituída por uma figuração convencional estereotipada. Ainda assim, às vêzcs surgem delicadas figu­ras de santos, feitas por alguns mestres ingé­nuos. O Românico se extinguira com o flores­cer do Gótico (século XIII), período que cor­responde a um progressivo enriquecimento das cidades e refinamento das artes. Mas a rígida escola bizantina sobreviverá mesmo à queda de Bizâncio, continuando a existir na Grécia, na Rússia e nos Balcãs. A arte dos ícones apenas recentemente deixou de existir. Antes de de­saparecer fêz surgir de seu seio um grande mestre — Domenicos Theotocopulos, El Greco — que quando jovem estudou pintura com os monges gregos.

enc. conhecer abril

..