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A mais antiga das artes I
Há uns 600 mil anos, o gelo cobria todo o norte da Europa. Ao sul, da França Urais, estendia-se a Grande Tundra onde galopavam renas e bisontes, pastavam mamutes e rinocerontes lanudos. Atrás das imensas manadas andavam os homens; tribos nómades de caçadores que deviam levar uma vida semelhante à dos índios americanos da pradaria. Os animais forneciam tudo: peles para vestir e deitar, ossos para instrumentos e adornos, carne para comer, gordura para as lâmpadas. A idade áurea da caça e da pesca na Europa. Os caçadores magdalenienses (esse é o nome dado modernamente à sua cultura) faziam coisas quase inexplicáveis para um homem moderno. Metiam-se em profundas cavernas, ainda hoje dificilmente exploráveis com nossos recursos, carregando lenha, armas, e potes de tinta preta e tinta vermelha — fabricadas misturando gordura com carvão e terra vermelha. Às vezes, para atingir o ponto desejado — amplos salões subterrâneos — era preciso vadear rios perigosos, descer por escarpas íngremes, onde, certamente, muitos morreram. Aparentemente, a regra era: quanto mais oculto, melhor. Atingidas as vastas galerias e salões que tanto esforço custara descobrir, acendiam-se fogueiras e os feiticeiros pintavam nas paredes (com os dedos ou pincéis primitivos os animais que viviam lá fora na tundra. Mas só os animais de caça. Nada que não fosse útil era representado. Em seguida dançava-se e as figuras eram golpeadas com lanças e flechas — ritos propiciatórios da caça. Para o caçador, de alguma maneira obscura, o destino do animal a ser caçado era selado de antemão naquela caverna.
O descuido dos pintores com sua obra era total. Uma vez usada, a figura era desprezada: raspava-se ou pintava-se por cima, como se não existisse.
Mas o eixo do planeta continuou a deslocar-se em sua lenta progressão milenária. Na nova inclinação os gelos recuaram sob a luz do sol, a tundra desapareceu, os ricos campos de caça sumiram. Privadas de sua fonte de vida, as tribos definharam, dispersaram-se acompanharam as pequenas manadas restantes, cada vez mais para o norte. As cavernas foram fechadas pela terra, desmoronaram, ou foram levadas pelos rios. Quinze mil anos depois um garoto que brincava no mato, nos Pireneus, enfiou-se por um buraco no chão, viu alguns desenhos nas paredes e foi correndo chamar o pai. Assim ocorreu a descoberta da arte pré-histórica. Os desconhecidos autores dos desenhos das cavernas muito estranhariam o interesse por sua obra — eles que tão pouca importância lhe davam. Não sabiam, mas haviam produzido a primeira grande arte de nossa espécie. São desenhos de uma habilidade fabulosa. Poucos traços e os animais surgiam vivos das paredes, galopando, pastando, morrendo, lutando. Tal poder de síntese só seria conseguido muito mais tarde, na pintura chinesa e na japonesa,
A idade áurea da caça e do desenho fenecera sem deixar herança, como uma flor sem raízes. A vida cultural e, portanto, a tradição artística dependiam da existência das manadas. Acabadas estas, desfez-se a cultura magdaleniense, sem deixar herdeiros. Esses caçadores não foram os únicos a pintar em cavernas e lajes. Na Rodésia, no Saara, na Noruega, mesmo no Brasil, há pinturas rupestres de primitivos. Mas nada se compara à extraordinária e efémera floração da arte magdaleniense. Só com o aparecimento da agricultura tornaria a surgir pintura comparável à das cavernas de Lascaux (França) e Altamíra (Espanha).
A arte dos impérios camponeses
Entre seis e cinco mil anos atrás, nos férteis vales do Indo, Nilo e Tigre-Eufrates, surgiram as primeiras cidades. A agricultura recém-descoberta permitiu aos homens abandonar a vida nómade e fixar-se num território. Nas cidades a divisão do trabalho e da posse fêz aparecerem as classes sociais, entre elas a dos artesãos, gente especializada em esculpir, pintar, moldar, fundir. Ricos mercadores enco- mendavam objetos de luxo — o que fez surgirem as artes suntuárias e, certamente, a pintura de tecidos para roupa.
Mas a grande pintura, ainda dessa vez, desenvolveu-se ligada à magia. Se antes era preciso propiciar os espíritos da caça, agora tratava-se de cair nas boas graças dos espíritos da chuva, do vento, do granizo, da seca. Os sacerdotes tinham por nova função assegurar a fecundidade da terra e a benignidade do céu. Mesmo antes que nas primitivas cidades surgissem os palácios principescos, os primeiros edifícios foram templos e neles devem ter-se produzido os primeiros afrescos — nova técnica de pintura que surgiu com a arquitetura. Entretanto, o mais antigo fragmento conhecido dessa técnica pertenceu ao palácio real de Mari, na Mesopotâmia — uma cena de sacrifícios animais. Sua preservação é um verdadeiro milagre realizado pelas areias desérticas que o recobriram. O afresco é um método de pintura com resultados delicadíssimos. Os pigmentos são empastados com ovos e aplicados diretamente no estuque fresco — daí o nome.
Ao contrário do vigoroso naturalismo que fora a arte dos magdaleníenses, a pintura mural do Egito e da Mesopotâmia é hierática e solene. Não retrata o mundo, mas cosmogonias — tentativas de explicação da origem do Universo — e aventuras dos deuses. A vida diária nunca é representada. Apenas um pouco da vida da corte transparece aqui e ali, num pequeno trecho de parede, no coração das pirâmides que os faraós erigiam para preservar eternamente seus corpos. Uma ou outra cena de caça, pesca e dança, em que um povo moreno, de grandes olhos rasgados, pintado em cores chapadas e sempre de perfil, reverencia o príncipe-deus.
Na Mesopotâmia, a pintura — como o baixo-relêvo — reflete as condições da região: a guerra permanente da Idade do Bronze. Massacres e mais massacres são reproduzidos monotonamente para imortalizar a fama dos príncipes guerreiros. Duas vezes maior que as outras figuras, Sar o príncipe temível, pisa os vencidos ou diverte-se caçando leões. Mas pouco, muito pouco, nos restou da pintura mesopotâmica.
Na mesma época, no coração do Mediterrâneo, em Creta — importante centro comercial —, surge a pintura mais elegante e hedonista da antiguidade. No palácio real de Cnossos, metrópole dos mercadores, elegantíssimos touros e figuras de jovens atletas e cortesãos vivem alegres cenas de jogos e procissões. Graças ao comércio, a arte dos cretenses se dissemina pelas ilhas do Egeu e sul da Grécia.
Até que um dia guerreiros loiros — os dóricos —, descendo as montanhas da Tessália, varreram a influência cretense da península grega. Eles criaram a maior das civilizações da antiguidade — a helénica.
Paradoxalmente, nada nos resta de sua grande pintura nas paredes e pranchas de madeira, apenas descrições escritas que falam de uma arte realista. E as belas cerâmicas, onde os deuses são tratados com certa ironia. Contudo, através da influência grega na Itália, soube-se algo de sua arte mural.
A pintura romana também estava destinada à destruição total, não tivesse o Vesúvio soterrado Pompéia e Herculano sob lavas e cinzas. Mas não se pode afirmar que os afrescos destas cidades representassem a grande pintura da época. Pelo contrário, trata-se, provavelmente, de obra de segunda categoria. Ainda assim, pode-se ver, através dela, um domínio moderno da perspectiva e da noção de volume, que será perdido nas épocas sucessivas — a Românica e a Bizantina — para reaparecer na Europa Renascentista.
A Idade Média
O grande império mediterrâneo dos romanos veio abaixo no século V, devorado internamente pelo sistema escravocrata e externamente pelos bárbaros. No caos geral formaram-se Bizâncio e o Império do Ocidente. Em ambos, as artes são pálida sombra do que foram na Grécia.
Os dois impérios são cristãos. Em Bizâncio a arte volta a ser monumental e hierática como no velho Egito. O afresco é quase completamente substituído pelo mosaico representando os imperadores semidivinos confabulando pessoalmente com Jesus Cristo ou com a Virgem, é uma arte que tem por função mostrar ao povo a origem divina do poder imperial.
A pintura torna-se quase que só pintura de ícones — tábuas de madeira onde são representados os feitos dos santos —, executados pelos monges. Ao contrário dos egípcios, que só representavam de perfil, os bizantinos só desenham os rostos de frente. Os pigmentos das tintas eram dissolvidos em cola animal para aderirem à madeira. Ou então, misturados a resinas derretidas que penetravam a madeira, formando, quando secas, uma superfície brilhante.
No Império do Ocidente, aparece a arte Românica, que é de inicio a arte romana de generada _ e submetida a influências asiáticas Mas logo ela se torna uma pintura extremamente ingénua e popularesca, em que a tentativa de representar a natureza é substituída por uma figuração convencional estereotipada. Ainda assim, às vêzcs surgem delicadas figuras de santos, feitas por alguns mestres ingénuos. O Românico se extinguira com o florescer do Gótico (século XIII), período que corresponde a um progressivo enriquecimento das cidades e refinamento das artes. Mas a rígida escola bizantina sobreviverá mesmo à queda de Bizâncio, continuando a existir na Grécia, na Rússia e nos Balcãs. A arte dos ícones apenas recentemente deixou de existir. Antes de desaparecer fêz surgir de seu seio um grande mestre — Domenicos Theotocopulos, El Greco — que quando jovem estudou pintura com os monges gregos.
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