4.3.09

Música dois séculos de música

..

O medo dos fenómenos naturais, a necessidade de defesa, a ânsia de comunicação, provavelmente levaram os primeiros homens a movimentar-se e emitir sons em forma ritmada. As danças e as músicas expressavam revolta ou sujeição, alegria da vida ou terror da morte, vitórias e derrotas.
Depois, o homem aprendeu a produzir novos sons: bateu com os pés no chão, com os punhos no peito, com madeira ou osso em outro objeto. "Inventava" a percussão, o tambor, e daí a criar as outras famílias de instrumentos musicais — sopro e corda — foi questão de tempo e evolução técnica.
E uma caracteristica acompanhou a música, por longo tempo: não. era praticada em separado, mas sempre aliada a alguma ceri­monia religiosa ou mágica. Os instrumentos, os gritos, os gestos, os cantos serviam para a comunicação tribal, para a guerra, para avi­sar sobre perigos ou espantar os animais, para evocar o auxílio das divindades ou afastar os espíritos nefastos.
A elaboração e os instrumentos evoluíam. Mas ainda não se des­cobrira um meio de registrar o som. Só a memória humana o guar­dava. Poemas, sagas, lendas e tradições referem-se à existência da música de várias épocas e fornecem indicações a respeito.
Dela nos falam a Bíblia c o Corão. Velhas tradições orientais descrevem-lhe a beleza e o poder. Monumentos e pinturas repro­duzem os instrumentos e os gestos. Dançando ou cantando, o ho­mem procurou conciliar ou afastar bons e maus espíritos e, assim, a música desempenhou seu papel na guerra, nas festas c cerimonias,
Antes da Idade Média, pelo que se tem notícia, a música manteve uma característica monóctica (do grego monos, um; e ode, can­to — peça musical para uma só voz). As citações sobre música nas civilizações antigas nunca fazem menção a várias vozes, ou seja, os conjuntos cantavam em uníssono.
Cantando a uma só voz, as civilizações antigas fizeram suas mú­sicas. Egípcios, sumerianos e assírios utilizaram boa variedade de instrumentos musicais: harpas, liras, flautas, saltérios, tambores, trombetas, aulos, etc. Reuniram-se em conjuntos, em orquestras e a música continuou a ser tocada em manifestações religiosas. A mís­tica acompanhou a música por largo tempo, e achados arqueológi­cos nos mostram divindades e animais tocando instrumentos musicais,
A música dos gregos
Foram os gregos que estabeleceram as bases da música ocidental. A própria palavra vem deles: mousikê significava arte das musas e englobava a poesia, a dança, o canto, a declamação, a matemática.
Do que foi possível reconstituir da cultura grega, apurou-se que sua música era essencialmente cantada, cabendo aos instrumentos a função de acompanhar. A finalidade continuava religiosa.
O sistema musical apoiava-se numa escala elementar de quatro sons — o tetracorde. Da união de dois tetracordes formaram-se esca­las de oito notas, cuja riqueza sonora permitia traçar linhas meló­dicas. Essas escalas — os modos- tornaram o sistema musical greco conhecido como modal.
A música era, também monódica, com os instrumentos acompanhando em uníssono ou uma oitava acima, deu origem a melo­dias padronizadas, de fácil assimilação — os nomoi, que eram acom­panhados de cítara e aulo. Apesar de o repertório grego ser bem vasto, pouca coisa pôde ser recolhida: um coro para Orestes, de Eurípides, dois hinos do século II a.C, dedicados a Apoio; o Mino ao Sol, composto por Mesomedes, de Creta; e, dos primeiros anos da Era Cristã, conhece-se um hino cristão de Oxirrinco.
Na música grega, os instrumentos tocavam partes mais agudas do que a das vozes que acompanhavam, ao contrário do que acon­tece hoje, em que o acompanhamento é grave, isto é, haixo. As escalas eram cantadas em movimentos descendentes, do agudo pa­ra o grave, ao contrário do que fazemos hoje.
Os gregos criaram, ainda, um sistema de notação musical sumario; e deixaram muitas de suas letras, que, juntamente com os escri­tos teóricos, permitem reconstituir um conjunto de músicas que dá uma ídéía geral do repertório, que deve ter sido muito rico.

Em Roma, saiu das catacumbas
Os romanos assimilaram a musica grega. É em Roma que a mú­sica toma-se prosaica; passa a exaltar a glória militar (embora no recesso dos lares continuasse a ser praticada a suave música grega); e o aperfeiçoamento dos instrumentos de sopro e percussão teve importância decisiva no desenvolvimento ulterior da música europeia.
Com maior potência sonora, com outro sentido e sem a nobreza inicial conferida pelos gregos, a música desceu às catacumbas, jun­tamente com os cristãos. Passou a ser um elemento de elevação es­piritual, auxiliar valioso na tarefa de revelar um mundo interior e pessoal.
Nos cânticos dos primeiros cristãos estão as sementes da monódia cristã. Sua inspiração eram os salmos. Era um exemplo de perfei­ção e equilíbrio, exprimindo com requintes as menores graduações dos textos, segundo um ritmo livre. A música monódica foi vocal e graças à Igreja Católica ela se desenvolveu. A monódia era só cantada e os instrumentos, considerados bárbaros, lascivos e diabó­licos, eram proibidos. Surgia o embrião do ccmtochão. Assim, a músi­ca acompanha a cristandade. Os grandes centros da Igreja — Bizân-cio, Roma, Antioquia e Jerusalém — eram os grandes centros da música, cada um guardando uma liturgia musica! própria. Quanto à música monódica, há dúvidas, pois parece que em Bizâncío, na Síria, e nas sinagogas do Oriente já se praticava a polifonia e até a antífona e o responsório (coros respondendo a solistas).
Santo Ambrósio, bispo de Milão (sec. IV), cria o estilo ambrosiano, introduzindo a antífona (versículo cantado pelo povo em res­posta ao canto do salmo) e hinos vindos do Oriente. Integra na missa os modos do rito bizantino.
Caberia ao Papa Gregório I (Gregório Magno), no século VI, unificar os cânticos religiosos, como recurso para padronizar a litur­gia em toda a Europa. Reuniu num só livro todos os cantos con­siderados perfeitos, com indicações sobre o modo de cantá-los. O repertório é depurado da influência oriental; a melodia é plana e linear — "cantus planus" (cantochão). Os cantos gregoríanos foram a música oficial da Iereia e das universidades durante mil anos.

Nascem as notas
O monge Hucbaldo (840-930), autor do tratado De Harmónica Institutione, estabeleceu a pauta de quatro linhas. Começava-se a descobrir formas de notação musical. Em seguida, o beneditino ita­liano Guido D'Arezzo (995-1050) completou a pauta de quatro linhas atribuindo às notas seus nomes, tirados das sílabas iniciais de um hino a São João Batista: UT queant laxís (Para que possam livremente) /RÊsonare fibris (ressoar as cordas) /MIra gestorum (com muitos cantos) /FAmuli tuorum (sobre teus feitos) /SOLve polluti (apaga os erros) /LAbii reatum (dos lábios manchados) /Sancte Joannes (Õ São João). No século XVII, o UT passou a ser DO, mudança feita por João Batista Doni.

A vida na Idade Média introduziu uma série de modificações nos cultos e festas religiosas, disciplinados pelos cantos grego-rianos. Músicas profanas, assim como a lín­gua vulgar, váo penetrando nos ofícios re­ligiosos, até a completa desfiguração destes. O rompimento acontece: a Igreja rejeita tu­do o que foi introduzido de estranho em seus rituais.
Livre, porém, das imposições gregorianas, a música profana progride e, em breve, sub-dívíde-se em popular e aristocrática. Essa evolução foi ditada pelas profundas modi­ficações ocorridas na estrutura política. O Ocidente organizava seus Estados feudais, dividindo-os em vilas burguesas, castelos e conventos.
O fracionamento político atinge também a música: nas vilas, o povo cantava as can­ções de ofício, simples no ritmo e na me­lodia, fáceis de decorar. Surgem os estribi­lhos e coplas, curtos e repetidos; e o com­passo, permitindo notáveis progressos na es­crita e em execuções coletivas. Nos castelos ouvem-se músicas aristocráticas. Os trovado­res, condicionados, no início, às regras gre­gorianas, levam ao castelo, pela música, a distração e a informação. Com eles, a músi­ca é divulgada em âmbito mais amplo, passa através das regiões. Fundem-se às antigas me-lodias as contribuições folclóricas dos diver­sos povos.
O maior centro trovadoresco foi a região da atual França. Eram poetas da língua doil (falada no Norte do Loirc), os trou-vères; ou da língua â'oc, do Sul, os trou-baâonrs. Na maioria nobres letrados, asso­ciam a música popular à sua origem gregoriana. Viajando para declamar seus versos, tecem verdadeira rede de notícias e crónicas da Europa. Adam de Ia Halle (1235M285), Blondel de Nesle (séc. XII), Thibaut de Champagne (1201-1253), e Guilherme IX, da Aquitânia (1071-1127), foram alguns dos divulgadores da música profana, geralmen­te monódica, prenunciando, porém, a for­ma polifônica futura.


O homem canta em coro
A polifonia aparece no momento em que a notação musical se aperfeiçoa. Consistia numa forma simples de tirar efeito de um som contra outro. Esse jogo -punctus contra punctum — contraponto (várias linhas me­lódicas simultâneas) — facilitou a criação de novas formas vocais, como o motete (com­posição vocal, a várias vozes simultâneas, mas independente, baseada num trecho litúr-gico em latim), o conducto e o rondo (for­ma de dança).
Essas diferentes músicas receberam o no­me genérico de Ars Nova (séc. XIV e XV) e surgiram da necessidade de aumento do poder expressivo das melodias dos ofícios religiosos. O nome foi introduzido pelo bis­po de Meaux, Philippe de Vitry (1291-1361), que o usou num tratado sobre mú­sica, publicado em 1330. Propunha, então, um programa de vanguarda. Pregava uma aliança do popular com o erudito. Revolu­cionou o mundo musical e religioso. Seu mais importante seguidor foi Guillaume de Machaut (1300-1377), criador da primeira missa (de Nossa Senhora) poiifônica. A polifonia conheceu o apogeu no século XVI. A escrita musical se desenvolve e a música já é uma diversão da sociedade renascentista. Surgem os géneros polifônícos da imitação, a missaparódia, a canção poiifônica francesa, os madrigais, os bales, todos eles vocais.
A opulência da Renascença também dei­xa suas marcas na música. Os territórios da cristandade enchem-se de catedrais, templos religiosos 6 centros musicais. Compositores descobrem que não basta construir: é ne­cessário exprimir e inovar. Surgem os no­mes dos mestres da Escola Borgonhesa, Wil-laert, Lassus e outros. Aparece o nome de Giovanni Pierluigi da Palestrina.
Os protestantes buscam nas antigas mú­sicas do povo seus temas musicais. A Igreja Romana, no Concílio de Trento (1545). mostra-se preocupada com o avanço da mú­sica protestante. Palestrina dá a solução e surgem os cantos a cappella, eliminando o acompanhamento musical e dando maior destaque às palavras. São composições des­tinadas à voz humana, destacando o texto litúrgico.
Mas a revolução renascentista impôs a todas as artes o desejo de atingir o grandio­so. Isso determinou a participação do acom­panhamento instrumental, novamente. Andrea Gabrieli (1510-1586) e seu sobrinho Giovanni Gabrieli (1557-1612) usaram-no como ninguém. Aí, o acompanhamento pro­porcionava apoio à música de vários coros,
As transformações da Renascença deram como resultado o surgimento da música bar­roca. A música, como arte, surge inteira­mente renovada e o barroco passa a domi­nar por longo tempo — cerca de 150 anos (1600 a 1750).


MÚSICA
Com o fim do Renasci­mento, verdadeira re­volução transformou o mundo das artes, das ciências e do pensa­mento humano. A mu­sica vocal ganhou nôvo colorido transportada a ópera, que surgiu do fim do século XVI A música instrumental viu definirem-se e se­rem levados ao ápice da perfeição géneros até então indistintos. Vários homens viveram entre o século X\TI e o XIX, verdadeiros gé­nios da música, deixan­do obras excepcionais, que jamais perderão seu lugar de destaque


O velho entrou pela porta iluminada da livraria e dirigiu-se à estante onde estavam expostos os livros de música. Aco­modou num cantinho a caixa do violino e, com mãos tré­mulas mas cuidadosas, começou a folhear um daqueles grossos volumes, ricamente ilustrados.
As gravuras coloridas transportaram-no ao final do século XVI. Viu-se em Florença, entre músicos e artistas que se reuniam no Palá­cio Pitti, ou na residência do mecenas Giovanni Bardi.
A música ainda buscava os caminhos que as artes plásticas, a arqui-tetura e a literatura do Renascimento já trilhavam: a volta aos padrões clássicos greco-romanos. O teatro grego utilizara os recursos da palavra e do canto para dar maior expressão aos sentimentos. Os padrões rígidos da música renascentista não permitiam esta ênfase. Em suas duas formas — música sacra e madrigal (profana) — só admitia a polifonia a capela: polifonia, porque diversas vozes cantavam temas diferentes ao mesmo tempo; a capela, porque as peças não tinham acompanhamento instrumental.
Mas, exatamente em Florença, preparava-se a renovação musical. E os primeiros passos foram dados pelo poeta Ottavio Rinuccini (1562-1621) e pelo maestro Jacopo Pcri (156I-16331?). O poeta escreveu os libretos (a letra) e o maestro a música de duas obras: "Dafne" (c. 1597) e "Eurídjce" (1600). Para que o texto pudesse ser entendido, substi­tuíram a polifonia pelo canto homófono ou monódico, no qual sobres­saía um solista. Nascia o género ópera, mas completamente diverso do modelo clássico que pretendia imitar.
A voz isolada do solista causou estranheza a um público habituado ao colorido polifônico de muitas vozes humanas. Era necessário acres­centar alguma espécie de acompanhamento. E os compositores resol­veram utilizar um instrumento de teclado, que substituiu os antigos corais polífônicos, sem empanar o desempenho do cantor. Como o ins­trumentista completava continuamente os sons cantadps, tocando acordes em tom mais baixo, esse acompanhamento foi chamado baixo contínuo. Juntamente com o canto homófono, o baixo contínuo foi a base de toda a música barroca.
Pouco tempo depois," em Veneza, Cláudio Monteverdi (1567-1643) acrescentou novos aperfeiçoamentos ao género. "Orfeu" (1607) é sua primeira ópera realmente bem elaborada, onde Monteverdi explorou ainda outros recursos: orquestra, coro c bailados. Seu trabalho: agradou. Até o fim do século, Veneza construiu mais de quinze teatros e a ópera ganhou entusiastas na Europa inteira.
O velho violinista assistira a todas as óperas que os ingressos gra­tuitos lhe permitiam. Mas nunca teria imaginado o que seria a representação de uma ópera no século XVII. A plateia não tinha móveis; horas antes, do espetáculo chegavam os criados, trazendo cadei­ras, poltronas, sofás e até mesas. Aos poucos, o salão ficava repleto de gente que passeava para um lado e outro, cumprimentando os conhecidos, comentando as novidades ou discutindo os acontecimentos políticos. Em dado instante, um toque de clarim se sobrepunha ao burburinho reinante e anunciava o início da representação. Com o tempo, o toque de clarim foi substituído por uma abertura instrumen­tal, a qual, em regra, objetivava pedir silêncio à assistência.
Os cantores imperavam no palco. Se agradavam, tornavám-se logo ídolos da multidão entusiasmada. Em caso contrário, eram atingidos por uma verdadeira chuva de frutas e legumes, vendidos no próprio recinto do espetáculo.
Na França, o gosto do público, influenciado pelo classicismo, exigia uma adaptação da ópera italiana. Jean-Baptiste Lully (1632-1687) satisfez a essa exigência: criou uma abertura que ficou conhecida como ouverture française. Era uma peça exclusivamente instrumental, ini­ciada por um movimento lento e majestoso, seguido de um movimento rápido c um desfecho lento. Além disso, Lully ainda juntou aos ele­mentos italianos vários bailados em moda na corte francesa. O resul­tado foi uma ópera tipicamente francesa.
Na Inglaterra, a ópera italiana fundiu-se com a tradição do teatro inglês, O introdutor do género na ilha britânica foi Henry Purcell (1659-1695), autor da ópera "Dido e Enéias".
Encravada em um golfo do Mediterrâneo sempre azul, está uma cidade de povo alegre e brincalhão: Nápoles.
Os napolitanos davam mais importância ao "bel-canto" que ao texto ou ao próprio desenvolvimento dramático do espetáculo. Assim, a ópera derivou para o género que ficou conhecido por lírico, com árias pre­paradas para o virtuosismo dos intérpretes e deleite dos espectadores.
O pai da nova modalidade foi Alessandra Scarlatti (1659?-I725), que criou também a abertura italiana. Esta, ao contrário dá francesa, é formada por um trecho lento entre dois rápidos, e foi de grande importância no posterior desenvolvimento da sinfonia.
O temperamento alegre de Nápoles contribuiu para o desenvolvimento da ópera buffa ou cómica, que na verdade nasceu por acidente. Giovanni

Battista Pergolesi (1710-1736) havia fei­to uma ópera séria. E, como era de uso, escreveu também algumas cenas có­micas que seriam, apresentadas nos inter­valos entre os atos. A ópera "grande" foi um fracasso, mas "La Serva Padroria", o entreato, era uma pequena obra-prima. Calorosamente recebida, serviu como padrão ao género cómico, que ironiza os costumes da vida mundana.
Tais foram os caminhos da ópera até por volta de 1750. Foi quando Christoph Willi-bald Gluck (1714-1787), em Viena, no apo­geu de sua carreira de operista do molde italiano, tomou consciência de que sua arte, pomposa e ornamentada, era cada vez mais vazia. Decidiu então iniciar uma reforma do género, para torná-lo mais sério. Contou com o incentivo e a colaboração do poeta e crí­tico Ranieri de Calzabígi (1714-1795).
As primeiras experiências no sentido de um retorno à ópera monteverdiana, tomada como padrão, não foram bem recebidas em Viena. Gluck e Calzabigi seguiram então para Paris. Mas, encontraram a corte francesa dividida em dois grupos antagónicos: os partidários de Niccolò Piccinni (1728-1800), autor de ópe­ras cómicas, e os admiradores de Jean-Philippe Rameau (1683-1764), que., como Gluck, tam­bém pretendia tornar mais séria a ópera. Após a apresentação de "Orfeu e Eurídice", em 1762, ópera despojada de tudo o que agradava aos apreciadores de Piccinni, Gluck passou a atrair a admiração dos seguidores de Rameau e a aversão dos piccinnistas. A querela arras­tou-se por vários anos, até que, com as ópe­ras "Ifigênia cm Ãulis" e "Ifígènia em Táu-ris", Gluck conseguiu uma vitória definitiva.

A ilustração mostrava uma família de ins­trumentos de corda. O velho olhou com ternura para a maltratada caixa que continha seu violino. A princípio, o violino fora considerado um instrumento profano, indigno de ser apresentado em igrejas e salões da elite. Era usado pelos mendigos, nas aldeias e nas tavernas, para acompanhar a dança dos cam­poneses embriagados.
Entretanto, em meados do século XVII, flo­resceu em Cremona o melhor artesanato de instrumentos de corda. Os Stradivaríus, os Amati, os Guarnieri eram modelos inimitáveis, e conquistaram lugares antes proibidos.
No século XVII, época do barroco, aper­feiçoaram-se também os instrumentistas, desta­cando-se muitos virtuoses, mestres consumados no domínio de um instrumento. Foram eles responsáveis, em grande escala, não só pela divulgação do violino, mas também pelo de­senvolvimento da música instrumental. Sur­giram então as orquestras âe câmara (conjunto de poucos instrumentistas) e o concerto grosso, o mais autêntico produto da música barroca. Neste género, um grupo de solistas, chamado concertino, executa sua melodia em contra­posição à orquestra.
Ao mesmo tempo, desenvolveu-se a cantata, obra originariamente de caráter narrativo, exe­cutada por um cantor com acompanhamento de baixo contínuo. De caráter profano, a can­tata era música para sala de concertos. No século XVII, porém, foi transferida, por Gia-como Canssini (1604M674), para a igreja. Dividiu-se, assim, em duas modalidades; can­tata de câmara, sobre, temas leigos, e cantata de igreja, de inspiração religiosa. Passou a ser executada por vários cantores, com acompa­nhamento de pequenas orquestras, valorizan­do assim a instrumentação.
Rivalizando com a ópera, popularizou-se também no século XVII o oratório, composi­ção musical executada por solistas vocais, co­ro e orquestra, com texto geralmente extraído da Bíblia.
Duas formas instrumentais cultivadas na época se notabilizaram; a sonata e a tocata. Na origem, a sonata era executada por qual­quer instrumento que não tivesse teclado, di­ferenciando-se da tocata, que era uma peça para instrumentos de teclado, sobretudo o órgão. Outra diferença era que a sonata, ori­ginária da suíte (coleção de danças rápidas e lentas), obedecia à divisão em três movimen­tos : rápido, lento, rápido.
A tocata não seguia essa norma. No século XVII, a sonata paSsou a ser executada inclu­sive por instrumentos de teclado, enquanto a tocata ficou reservada para o órgão. Grande mérito no desenvolvimento da sonata cabe à chamada Escola de Mannheim, na Alemanha.
As mãos cuidadosas do velho foram viran­do lentamente as páginas c diante de seus olhos desfilaram os retratos dos grandes talentos instrumentais dos séculos XVII e XVIII. Arcangelo Corelli (1653-1713), violi­nista e compositor de temas religiosos c profa­nos que, juntamente com Giuseppe Torelli(1650?-1708), criou a sonata para violino e acompanhamento; António Vivaldi (1678-1741), sacerdote e compositor de uma vasta obra profana, sobretudo para violino; Fran-cesco Maria Veracini (1685?-175O), virtuose do violino e autor de obras de difícil execução; Giuseppe Tartini (1692-1770), Um dos maiores virtuoses do violino no sé­culo XVIII. Entre os franceses, Jacques Cham­pion de Chambonnières (1601?-1670?), cravista da corte de Luís XIV; a família Couperin, em que se destaca François Couperin (1668-1733), o Grande, autor de quatro volumes de peças para cravo reunidas em suítes; jean-Philippe Rameau, compositor perfeito e autor de um "Tratado de Harmonia" publicado em 1722. O alemão Georg Philipp Telemann (1681-1767), considerado por seus contemporâneos o maior músico da época: Haendel, Bach. . . O velho teve um estremecimento de respeito.
Sua imaginação levou-o para Londres, onde, com a corte do Rei George II, pôde apre­ciar a apresentação do oratório "Messias"', obra-prima de Georg Friedrich Haendel (1685-1759). Em meio ao coro "Aleluia", o rei c os demais espectadores se puseram de pé, emocionados, homenageando o grande talento do compositor.
Nascido na Alemanha, em Halle, Haendel passou grande parte de sua vida em Londres, onde, superando todas as dificuldades, reali­zou o supremo ideal do Barroco. Sua música, misto de melodia italiana, polifonia alemã, protestantismo barroco inglês e elementos franceses, é grandiosa e maciça. Escreveu mú­sica sacra e concertos, óperas, cantatas e orató­rios, obras-prímas da polifonia vocal.
Mas, se Haendei escrevia para grandes orquestras e grandes corais, o mesmo não foi possível a Johann Sebastian Bach (1685-1750), em Leipzig, numa Alemanha que se refazia das perdas da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), dividida em vários pe­quenos Estados, governados por príncipes, reis, duques. A vida dos músicos alemães di­feria completamente da de seus colegas italianos, que tinham a Europa toda por campo de ação. Na Alemanha, os músicos eram sim­ples empregados dos nobres, residentes nos palácios. Mas foi nessa moldura acanhada, nesse horizonte limitado, que viveu Bach. Muitas vezes teve de brigar com as autorida­des municipais para poder dispor de mais um ou dois instrumentos.
Kantor (organista, mestre de coros, compo­sitor da música dos ofícios religiosos) da igreja de Santo Tomás, considerava-se um artesão em seu ofício. Escrevia sob encomenda, para fins litúrgícos, didátícos e para a corte. Sua vasta produção abrange sonatas magistrais; prelúdios (peças musicais que antecedem uma obra, representação ou cerimónia); fugas (com­posições em que um tema único é enunciado sucessivamente por cada uma das partes, com variações); cantatas inconfundíveis; suítes, a que Bach chamou partitas, inspiradas nos con­temporâneos franceses e ingleses; concertos grossos; oratórios. Escreveu a maior obra de técnica pianística de todos os tempos, o "Cravo Bem Temperado", publicada em 1722. Culti­vou quase todas as formas do século anterior, levando-as a um ponto culminante de perfei­ção. Contudo, após sua morte, sua magnífica produção caiu no esquecimento. Somente cem anos depois Bach seria devidamente reconhe­cido como um dos maiores génios da música cm todos os tempos.
Terminou o grande estilo barroco. Suas for­mas musicais vinham-se diluindo, há algum tempo, em ornamentos e arabescos que ca­racterizavam o estilo rococó, galante e frívolo. É a época da música amável. O rococó se manifesta de mil maneiras, nas igrejas e nos monumentos, nas vestes e no mobiliário, na literatura e nas conversações. Todo o estilo de vida concorre para enobrecer a futilidade e cultivá-la como virtude.
Eis Viena, em meados do século XVIII, transformada em centro da música mundial. Durante cento e cinquenta anos, Viena par­ticipou da glória ou da miséria de quase todos os compositores que ali fizeram música. Muitos palácios dispunham de conjuntos próprios, em que tocavam desde o chefe da família até os cozinheiros e camareiros. A música fêz-se cosmopolita, conjugando as características de todos os povos da Europa.
Eis, em Viena, o "pai da sinfonia", Franz Joseph Haydn (1732-1809). Com grande ri­queza inventiva, explorou as possibilidades mu­sicais da sinfonia e da sonata. Suas 104 sin­fonias — exemplos dos mais perfeitos no género — testemunham a evolução de sua arte. Haydn escolhia pequenos temas folcló­ricos e os desenvolvia em linguagem pura e cristalina, em estilo leve e agradável. A idade madura conheceu nele o milagre da renovação. Os oratórios "A Criação" e "As Estações" são pérolas de invenção, equilíbrio sonoro, inspi­ração alegre e sedutora. As sinfonias dedicadas a Londres estão entre suas principais obras.
Haydn tinha já perto de cinquenta anos quando se fixou em Viena um homem sofrido e injustiçado, que morreria prematu­ramente dez anos depois, e seria enterrado em vala comum por falta de meios. Esse homem (dele dissera Haydn, em Londres, que era o maior músico de todos os tempos) era Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791). Mozart viveu da música desde os seis anos, quando o pai o exibia por toda a Europa como menino-prodígio. As viagens que fez contri­buíram para que desenvolvesse uma versati­lidade impressionante. Sua vida foi a mais tumultuada, pontilhada de doenças, morte de filhos recém-nascidos, intrigas e sabotagens por parte de inimigos. No entanto, sua pro­dução não reflete isso. Nada nela é medíocre, tudo é marcado pela graça e pela beleza. Sua técnica precisa, sem hesitações, traduz ideias claras, organizadas de maneira harmoniosa. Sua pena escreveu para a humanidade mais de seiscentas obras: concertos, música religio­sa, sinfonias, trios, quartetos e quintetos. Ape­sar de ser um génio da música instrumental, foi nas óperas que colocou o melhor de si, cabendo-lhe a honra de ter composto "Don Giovanni", considerada a ''ópera das óperas"

O século de ouro ia chegando ao termo. Breve, o mundo seria abalado pela Re­volução Francesa, haveria um período de tran­sição geral, o princípio de uma nova filosofia, uma nova estética e uma nova vida social. E nesse panorama irrompeu a mais forte personalidade da história da música. Um com­positor que rasgou as leis da música, assim como a Revolução rasgara as leis sociais. Em­bora seu pai, beberrão contumaz e brutal, quisesse apresentá-lo como menino-prodígio, a exemplo de Mozart, só muito mais tarde seu talento produziu trabalhos dignos de nota. Como a maioria dos grandes compositores. Ludwig van Beethoven (1770-1827) deixou uma obra muito vasta. Suas composições, ca­talogadas, são em número de 259. Compor, para Beethoven, não foi um trabalho fácil como fora para Mozart, que raras vezes cor­rigia uma nota. Compor, para Beethoven, era a própria dor, o próprio sofrimento. Cada nota que colocava nas pautas era apagada e substi­tuída dezenas de vozes. Sua grande tragédia pessoal, a surdez, foi talvez a maior bênção para a música. A doença libertou-o das con­venções, permitindo-lhe enveredar pelos cami­nhos da música totalmente pura, às vezes es­tranha e incompreensível para os seus con­temporâneos.
Foi um homem de ideias avançadas, pro­fundamente republicano, cujas obras trazem a marca de suas ideias políticas ou de suas aspirações filosóficas e humanitárias. Exerceu uma influência avassaladora sobre a evolução musica] no século XIX. Sua música é o canto dos novos tempos, veículo das grandes ideias.
O velho violinista ia mergulhar no mundo do romantismo, conviver com Schubert, Paganini, Liszt, Chopin, Wagner, mas o apa­recimento de um vendedor da livraria o conteve.
— O senhor deseja levar alguma coisa?
Envergonhado, colocou o livro no lugar. Apanhou a caixa do violino e dirigiu-se para a saída. Lançou por sobre o ombro um me­lancólico olhar de despedida e, em passos cansados, saiu para a noite.



MÚSICA
Nem as artes escaparam à influência das ideias liberais, depois do triun­fo da Revolução Fran­cesa. Surgiu o Roman­tismo, que, na música, significaria o rompi­mento definitivo com os rígidos padrões do Clas­sicismo. Mas também o Romantismo teria seu fim decretado, depois de um século de supre­macia. A rebeldia dos compositores a fórmu­las repetidas levaria a tendências inovado­ras, característica mar­cante no século XX


Novas formas...
Depois da Revolução Francesa, as ideias liberais espalharam-se por to­da a Europa e daí se irradiaram para o resto do mundo. A Europa, o mundo in­teiro se transformou. Não só as velhas con­cepções políticas eram derrubadas: também o antigo edifício cultural, que parecia sóli­do e definitivo, ruía por completo. As artes não escapariam desse processo.
Como expressão cultural das ideias libe­rais surgiu, para atingir todas as artes, o movimento do Romantismo. Aplicados à mú­sica, os novos conceitos significavam, antes de mais nada, a eliminação da arte de salão feita para uma elite aristocrática; a música deveria falar mais ao povo, mediante uma linguagem mais simples.
As primeiras manifestações dessa nova música — geralmente obras de exaltação re­volucionária, em que se celebravam os acon­tecimentos nacionais e as liberdades con­quistadas — eram pobres, do ponto de vista artístico. É que a mudança fora muito re­pentina. A adaptação aos novos conceitos levaria tempo.
A antiga linguagem musical, ou seja, a do Classicismo, já não servia: era muito limitada por regras inflexíveis. Agora, a mú­sica queria dramatizar-se, tornar-se patética e sentimental, exprimir sentimentos interiores. Queria ser mais livre e, para isso, pre­cisava de formas mais livres, que favoreces­sem a improvisação.
Nesse sentido, os próprios títulos são sig­nificativos. Ao lado de concertos, sinfonias, sonatas, surgiam fantasias, noturnos, bala­das, rapsódias, prelúdios, poemas sinfónicos.
Os músicos franceses desdobram-se nu­ma produção contínua e descontrolada desse tipo de obras. Mas é entre os alemães que o Romantismo se afirmará.

O casamento feliz
As coisas caminharão assim até meados do século XIX. É quando vai haver o en­contro entre o Romantismo e o Naciona­lismo, que agora empolga os povos da Eu­ropa. O resultado dêssc casamento será dos mais felizes para a música.
A afirmação do Nacionalismo musical constitui-se em primeiro lugar na procura de cantos e danças populares, na criação de obras líricas inspiradas em temas nacionais, em suma, em tudo quanto evoque a tradição de um país e o caráter de seus habitantes.
Resultado de um desvio da música do sé­culo anterior, essencialmente universal, o Nacionalismo musical do século XIX pre­tende ser particular. Assim, surgem as escoIas nacionais, quase simultaneamente, em diversos países da Europa. Irão servir-se de um tesouro até então não descoberto, fonte inesgotável de inspiração: o rico e vasto campo de temas oferecidos pelo folclore.
Por essa época, a ópera italiana havia aderido ao Romantismo, reformulando os padrões de interpretação até então vigentes. O cantor, agora, tinha que se dar inteira­mente ao público e empolgá-lo não só por seus dotes vocais mas também por seu talen­to teatral. Como também no teatro a ence­nação baseava-se no exagero de gestos e pala­vras. Isso era considerado autêntico, popu­lar. O público, apaixonado por esse estilo operístico, oferecia aos autores os desejados triunfos.
Pois bem, essa ópera ultrapassou as fron­teiras italianas e popularizou-se rapidamen­te em diversos países. Mas não na Alema­nha, onde os compositores preferiam criar uma arte especificamente nacional também no campo da ópera, entusiasmados como es­tavam pelo folclore, pelas lendas e supersti­ções populares, sobretudo pelos temas de inspiração medieval. Os alemães farão obras-primas, revelando a mina que em pouco tempo será fartamente explorada: um mun­do de florestas encantadas, aparições sobre­naturais, personagens maléficos, cavaleiros heróicos, monstros ameaçadores, anéis en­cantados.


A fonte que seca
Nos fins do século XIX, o Romantismo germânico domina todo o ambiente artístico na Europa. Mas os jovens começam a sentir a necessidade de mudanças; o movimento lá ultrapassava os limites de sua duração, já perdia seu vigor inicial.
Na Itália, na França, na Alemanha, escri­tores, pintores e músicos haviam adotado a mesma linguagem, até esgotá-la. Os france­ses serão os primeiros a procurar, então, ou­tros caminhos, afastando-se dos padrões ge­rais gradativamente e, o que é marcante, de forma muitas vezes consciente. Começam a buscar uma concepção mais clássica da música, por meio de uma inspiração depu­rada.
O Romantismo entra, aos poucos, em de­cadência; êle já não resiste ao desgaste do tempo. Começa a viver e agitar-se uma elite que pretende afirmar outros valores.
Os compositores dividem-se: há os que renegam totalmente o Romantismo, há os que respeitam sua eloquência mas querem circunscrevê-la a moldes musicais clássicos. Mas a verdade é'que, por toda a parte, há uma reação generalizada contra a grandiloquência, a morosidade dos desenvolvimen­tos musicais, as lamentações — elementos típicos da produção romântica.
O ambiente no fim do século é curioso: coexistem os últimos defensores e os pri­meiros adversários do Romantismo. A mú­sica que se ouve na Itália, França e na Ale­manha oscila entre o que há de melhor e o que há de pior. Ainda não se fixou, defini­tivamente, uma nova tendência.
Entre tantos caminhos e contradições que se apresentavam, venceria a tendência mais forte, comandada por Claude Debussv. O compositor visava a uma música de nuan­ças, que sugerisse o tema ao invés de des­crevê-lo. Para realizá-la, desenvolveu uma técnica especial de tratamento harmónico. Procurava transferir para a composição mu­sical as técnicas utilizadas pelo impressionis­mo na pintura; e explorava o encadeamento de acordes de forma a evitar a repetição, considerada monótona, que caracterizava a música romântica.
é um começo de rompimento com o mun­do romântico. É uma música concebida Tde forma tão radical que já não ambiciona tra­duzir os sentimentos humanos, que já não pretende ser uma confissão íntima, nem tam­pouco uma pura descrição da realidade. Os temas musicais evocarão agora apenas as sen­sações transmitidas pela natureza, pela luz, pelas cores, pelos perfumes. O que importa é o valor expressivo; pretende captar as im­pressões fugidias e sensíveis que o homem tem do mundo que o cerca.
Com Debussy, a França tem oportunidade de reencontrar seus próprios valores, que o Romantismo por longo tempo havia eclipsa­do. Retoma a supremacia detida pela Ale­manha romântica há um século. E, aproxi­madamente entre 1900 e 1940, a fermenta­ção das ideias musicais estará, quase sempre, dependente da influência do meio pa­risiense.
Nomes, nunca escolas
A partir do princípio do século XX, tor­na-se difícil considerar a evolução da músi­ca de forma linear. Aos poucos, a história da música será feita através de muitos caminhos diferentes, sob a vontade e o impulso de alguns homens que imprimirão determinada direção, a partir de conceitos próprios.
Assim, para esboçar o conteúdo da músi­ca contemporânea, torna-se necessário obser­var as personalidades criadoras que condicio­naram seu desenvolvimento. Isto porque, de­pois de Debussy, a história da música se faz pela presença de grandes compositores e não de escolas musicais.
Aparecem as figuras do francês Maurice Ravel (1875/1937), contemporâneo de De­bussy, que revela em sua obra traços im­pressionistas, depois desliga-se da influên­cia debussiana e tende para uma estética clássica, na constante busca de perfeição; e do finlandês Jan Sibelius (1865/ 1957), com sua fascinante obra or­questral. O austríaco Arnold Schoen-berg (1874/1951) provoca uma renovação na linguagem musical — a harmonia e todas as associações de sons tradicionais. É o "pa­pa" do Expressionismo alemão; estabelece um sistema de composição com base em uma nova escala. A partir disso, pretendia que surgisse uma nova teoria musical. Sua músi­ca oferece aspectos verdadeiramente descon-certantes para o ouvido, habituado à música convencional.
O russo Sergei Prokofiev (1891/1953) en­riquece a música moderna com elementos ainda não abordados, como a ironia sarcásti­ca, a veemência selvagem, o ritmo brutal; o húngaro Bela Bartók (1881/1945); o russo Igor Stravinsky (1882/1971), que surpreen­de com sua extravagante invenção rítmico-harmônica.



A guerra faz a música

A angústia de toda uma geração horrori­zada pelos desastres da II Guerra Mundial provocará novas atitudes diante do mundo, em geral calcadas no absurdo. As novas po­sições irão sem dúvida afetar o ambiente mu­sical. Surgem compositores mais graves, al­guns se consagram ao mais profundo restabe­lecimento da linguagem musical clássica.
Mas surgirá a geração de músicos "da in­quietação", como os franceses Olivier Mes-siaen (1908) e André Jolivet (1905), am­bos com idêntica inclinação para o senti­mento sacro. Na Alemanha, a atividade mu­sical readquire vigoroso impulso, levada por músicos de vanguarda, como Karlheinz Stockhausen (1928-), ou clássicos, como Cari Orff (1895) ou Hans Werner Henze (1926-).
Na Rússia, aparecem Aram Khatchaturian (1904) e Dimitrí Shostakovitch (1906); na Espanha, Manuel De Falia (1876/1946), Joaquín Turma (1882/1949) e Joaquin Rodrigo (1902); na Inglaterra, Gustav Holst (1874/19-34) e Benjamin Britten (1913); na América Latina, Heitor Villa-Lôbos (1887/ 1959) e Alberto Ginastera (1916); nos Estados Unidos, Aaron Copland (1900), Charles Ives (1874/1954), Samuel Barber (1910) e Leonard Bemstein (1918).
Duas novas tendências juntam-se às bus­cas da música clássica: a música eletrôníca e a música concreta. Esta última, introduzida na França por Pierre Schaeffer (1910), é obtida por meio da gravação de ruídos e de sons, em fita magnética, e pela manipula­ção dos sons assim gravados, acelerando-os, retardando-os, repetindo-os, sujeitando-os às mais diversas deformações. Como decorrên­cia da música concreta aparece a música ele-trônica, que emprega sons produzidos em laboratório por osciladores eletrônicos. Deste tipo de música só se pode ouvir a gravação.
O surgimento das músicas concreta e eletrònica trouxe um elemento novo, com o qual muitos compositores sonharam, tornan­do possível um fantástico efeito sonoro que nenhum meio tradicional havia proporciona­do. E mais recentemente, iniciaram-se as pes­quisas sobre música aleatória, isto é, a mú­sica "do acaso": sua execução é mais ou menos livre dos constrangimentos de toda a música escrita. Vários instrumentos tocam a velocidades diferentes, de forma a obter um conjunto diferente em cada execução; ou então escolhem uma ordem de desenvol­vimento diverso para várias sequências de execução e assim por diante. É chamada por alguns de "antimúsica".
As modernas manifestações de música concreta e eletrônica, somadas à aleatória, estão entre os fenómenos mais controverti­dos da história da música.

Enc. Conhecer/ abril

..