4.3.09

Vasos Cretenses

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Vasos Cretenses

A picareta dos arqueólogos, ao remexer entre os sedimentos que os séculos acumularam no solo do Velho Mundo, encontra, com muita frequência, entre os resí­duos das palafitas e das casas, fragmentos de terracota e cacos de vasos ou de ânforas, cozidos num fogo que se apagou há milhares de anos. São, como as pedras lascadas, as primeiras manufaturas da época neolítica, documentos de uma civilização remotíssima, que iniciava sua ascensão rumo ao progresso técnico e artístico. Da idade das palafitas até à Idade Média, a história da cerâmica e da terracota é, em certo sentido, a própria história da civilização; os vasos, as taças ou as ânforas, são, em muitos casos, os únicos elementos sobre os quais podemos reconstruir o grau de evolução, os hábitos, a religião e até as vicissitudes de povos já desaparecidos.
As terracotas da época neolítica eram, evidente­mente, bastante rudimentares: serviam muito bem para sua finalidade, mas eram despidas de qualquer verniz ou ornamento. Somente depois de muitos séculos, o homem sentiu a necessidade de tornar mais belos os objetos de uso comum e aprendeu a envernizar seus vasos, tornando-os, assim, absolutamente impermeáveis, e a servir-se da verniz, para dar-lhes um especial brilho e elegância. Eis, assim, as terracotas esmaltadas, dos Sumerianos, eis as ânforas pintadas, dos Egípcios, que foram encontradas, em grande número, nos sepulcros que datam do quarto milénio antes de Cristo. Os povos da Mesopotâmía, Sumerianos, Acádicos e Caldeus, foram certamente, os primeiros, no mundo, a esmaltar a terra­cota, criando vasos de forma elegantíssima e ladrilhos e azulejos reluzentes, com os quais revestiam a fachada dos palácios.
Como dissemos, a arte da cerâmica prosperou entre quase todos os povos, refletindo. nas formas e nas cores. o ambiente e a cultura dos diversos países: assim, os artífices chineses, desde a metade do terceiro milénio antes de Cristo, souberam criar objetos de requintada feitura, sabiamente pintados e esmaltados. Faram jus­tamente eles os primeiros a usar, cerca do segundo século antes da nossa era, aquele finíssimo pó branco, o caulim, que permite fabricar esplêndidos vasos translúcidos e leves; nasceu, assim, a porcelana, que deu aos artesãos chineses uma fama mundial, até hoje incontestável.
Voltemos ao Mediterrâneo: aqui, um simples apa­relho, uma roda de madeira, movida por um pedal, in­ventada por algum desconhecido trabalhador, mais de dois mil anos antes de Cristo, permitia fazer vasos per­feitos, de superfície lisa e espessura uniforme, num tempo relativamente breve.
A experiência dos ceramistas assírios e babilónios difundira-se pelas ilhas do Egeu e da Grécia: em Creta, em Atenas, em Corinto, em Samos, sobretudo, produ­ziam-se ânforas e taças de bela feitura, decoradas com motivos marinhos ou com desenhos mitológicos, que ainda hoje nos dizem da vida daqueles povos muito mais do que qualquer documento escrito. As cerâmicas cre­tenses encontradas nos palácios de Cândia e Cnossa pertencem a épocas diversas, mas, nunca, mais recentes do milénio antes de Cristo. Apesar disso, os desenhos e as cores são de um modernismo desconcertante. Os Gregos, ao invés, continuaram, por muitos séculos, pro­duzindo as melhores peças de cerâmica do mundo me­diterrâneo, ainda quando as margens deste mar já se haviam tornado colónias romanas. E, em nossos dias, ainda perdura a fama dos vaseiros de Atenas e de Samos, de que ainda podem ser vistos inúmeros pratos e taças de delicado acabamento, de fundo negro ou azul, desenhos escarlates. De outro lado, os Gregos foram, durante o domínio romano, os artífices mais apreciados, não só na cerâmica, mas também na ourivesaria, na pintura e em qualquer outro ramo de arte; seu bom gosto, sua filo­sofia, sua literatura, haviam-se imposto aos rudes con­quistadores latinos, que acabaram assimilando, instinti­vamente, a milenária cultura da Hélade.
Também na Itália, entretanto, existia um flores­cente artesanato: os Etruscos, em meados do segundo
milénio antes de Cristo, já fabricavam vasos esmalta­dos, que nada tinham a invejar àqueles de Samos. Cerâ­micas etruscas ornamentavam, além das gregas e persas, as mansões dos patrícios romanos; as formas bizarras, os esmaltes vivos e brilhantes, os vagos desenhos ornamen­tais, conteriam a estes vasos uma preciosidade mais de objeto de arte do que de utensílio de uso cotidiano.
Referimo-nos à Pérsia; aqui, a arte insuperável dos Sumerianos e Babilónios não se extinguira e continuava a produzir, além de ânforas, bacias, taças esculpidas e pintadas, maravilhosos azulejos, para revestir fachadas e vestíbulos. Justamente da Pérsia, os Árabes, que, entre o sexto e o décimo-quarto séculos antes de Cristo, domi­naram quase todo o Mediterrâneo, difundiram aquela técnica da qual ainda hoje admiramos os produtos: na Sicília, na Espanha, na Ásia Menor, por onde se esten­deu o império dos Califas, encontramos palácios fantas­ticamente decorados, com molduras de cerâmica brilhan­tíssima, pátios arabescados e iridescentes, compostos de milhares de azulejos esmaltados. Maiólica era denomi­nada aquela faiança branca, de superfície lisa e vidrada, muito usada na Itália, especialmente no período do Re­nascimento; seu nome deriva de uma ilha do arquinéiago das Baleares (hoje Maiorca), onde os Árabes haviam implantado uma indústria bastante florescente.
Na Itália, os ceramistas continuaram a trabalhar, com velhos sistemas etruscos e gregos, ainda durante os séculos obscuros da Idade Média; no início do Renas­cimento, encontramos produtos manufaturados em Gubbio, Volterra, Faenza, Deruto e Montelupo.
Em todas estas cidades, desenvolveram-se indústrias bem distintas, cada qual com estilo e técnica próprios; os sistemas de cozimento, de esmaltar, a composição das vernizes, tudo era mantido em rigoroso segredo. Basta lembrar, entre os máximos ceramistas italianos, Lucaê Andrea Delia Robbia, que souberam criar aqueles mara­vilhosos baixos-relevos de terracota vidrada e pintada, que se vêem em quase toda parte, nas paredes das "vilas" e dos castelos da Itália Central.
A escola de Faenza ganhou tanta celebridade que deu seu nome a todos os objetos de cerâmica que, da Itália, se difundiam pela Europa; daí o nome faiança, em português, e o de faience, lembrando o nome da cidade da Romanha.
Quanto à porcelana, que vimos nascer das mãos de­licadas dos artífices chineses, sua difusão na Europa não foi notável antes do século XVIII; são famosas, hoje como outrora, as fábricas de Sèvres, na França, e de Carlsruhe, na Alemanha, e, na Itália, as de Capodimonte. Em Sèvres e em Capodimonte, especialmente, são fabri­cadas aquelas graciosas e fragílimas estatuetas, que assu­mem, às vezes, pela perfeição do acabamento ou pela raridade do desenho, excepcional valor artístico.
Falamos na Europa e na Ásia, mas não devemos olvidar que a cerâmica é uma arte de todas as épocas e de todos os povos e que também aqui nas Américas, muitos séculos antes da descoberta de Colombo, fabri­cavam-se vasos esmaltados ou pintados, dignos de figu­rar ao lado dos mais belos da Grécia e do Oriente. No México, os Maias, os Astecas, os Toltecas, produziram grande quantidade de ânforas, finamente esculpidas e maravilhosamente pintadas; no Peru, os íncas, ou mesmo os povos que os precederam no domínio do país. deram vida a um artesanato excepcionalmente hábil e rico de personalidade. A cerâmica, hoje, tanto de uso comum como artístico, é produzida por toda parte, em grandes estabelecimentos ou por pequenos artesãos. Os siste­mas são, fundamentalmente, os mesmos, mas é inegável que a experiência técnica adquiriu tamanha perfeição, que permite resultados extraordinários. As peças artís­ticas, envernizadas e cozidas até vinte vezes, possuem superfícies reluzentes, com tonalidades de ouro e esme­ralda, imitando o brilho do bronze e a transparência da água: vasos, pratos e estatuetas produzidos nos labora­tórios de Faenza e Carlsruhe são tão procuradas quanto um tapete antigo ou um quadro de famoso autor.
No Brasil, bastante adiantada, também, se encontra a indústria da cerâmica, principalmente Minas, Pará e em nosso Estado. Pessoas de nossa mais alta sociedade trabalham em cerâmica, sob a direção de técnicos, pro­duzindo peças que podem ser consideradas verdadeiras obras de arte. Todavia, o mais antigo centro da cerâ­mica, talvez tão antigo como os que citamos, encontra-se na ilha de Marajó, onde foi criado um estilo próprio: o marajoara. São realmente notáveis seus vasos, pratos e urnas, sendo que estas figuram em muitos museus do País.
Longa tem sido a estrada da cerâmica, desde a era neolítica aos nossos dias e, sob os dedos ágeis e inspi­rados do artista, o milagre que transforma um informe bloco de argila numa obra harmoniosa sempre se reno­va, dando vida e luz à matéria mais rude e grosseira que existe.

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A picareta dos arqueólogos, ao remexer entre os sedimentos que os séculos acumularam no solo do Velho Mundo, encontra, com muita frequência, entre os resí­duos das palafitas e das casas, fragmentos de terracota e cacos de vasos ou de ânforas, cozidos num fogo que se apagou há milhares de anos. São, como as pedras lascadas, as primeiras manufaturas da época neolítica, documentos de uma civilização remotíssima, que iniciava sua ascensão rumo ao progresso técnico e artístico. Da idade das palafitas até à Idade Média, a história da cerâmica e da terracota é, em certo sentido, a própria história da civilização; os vasos, as taças ou as ânforas, são, em muitos casos, os únicos elementos sobre os quais podemos reconstruir o grau de evolução, os hábitos, a religião e até as vicissitudes de povos já desaparecidos.
As terracotas da época neolítica eram, evidente­mente, bastante rudimentares: serviam muito bem para sua finalidade, mas eram despidas de qualquer verniz ou ornamento. Somente depois de muitos séculos, o homem sentiu a necessidade de tornar mais belos os objetos de uso comum e aprendeu a envernizar seus vasos, tornando-os, assim, absolutamente impermeáveis, e a servir-se da verniz, para dar-lhes um especial brilho e elegância. Eis, assim, as terracotas esmaltadas, dos Sumerianos, eis as ânforas pintadas, dos Egípcios, que foram encontradas, em grande número, nos sepulcros que datam do quarto milénio antes de Cristo. Os povos da Mesopotâmía, Sumerianos, Acádicos e Caldeus, foram certamente, os primeiros, no mundo, a esmaltar a terra­cota, criando vasos de forma elegantíssima e ladrilhos e azulejos reluzentes, com os quais revestiam a fachada dos palácios.
Como dissemos, a arte da cerâmica prosperou entre quase todos os povos, refletindo. nas formas e nas cores. o ambiente e a cultura dos diversos países: assim, os artífices chineses, desde a metade do terceiro milénio antes de Cristo, souberam criar objetos de requintada feitura, sabiamente pintados e esmaltados. Faram jus­tamente eles os primeiros a usar, cerca do segundo século antes da nossa era, aquele finíssimo pó branco, o caulim, que permite fabricar esplêndidos vasos translúcidos e leves; nasceu, assim, a porcelana, que deu aos artesãos chineses uma fama mundial, até hoje incontestável.
Voltemos ao Mediterrâneo: aqui, um simples apa­relho, uma roda de madeira, movida por um pedal, in­ventada por algum desconhecido trabalhador, mais de dois mil anos antes de Cristo, permitia fazer vasos per­feitos, de superfície lisa e espessura uniforme, num tempo relativamente breve.

A experiência dos ceramistas assírios e babilónios difundira-se pelas ilhas do Egeu e da Grécia: em Creta, em Atenas, em Corinto, em Samos, sobretudo, produ­ziam-se ânforas e taças de bela feitura, decoradas com motivos marinhos ou com desenhos mitológicos, que ainda hoje nos dizem da vida daqueles povos muito mais do que qualquer documento escrito. As cerâmicas cre­tenses encontradas nos palácios de Cândia e Cnossa pertencem a épocas diversas, mas, nunca, mais recentes do milénio antes de Cristo. Apesar disso, os desenhos e as cores são de um modernismo desconcertante. Os Gregos, ao invés, continuaram, por muitos séculos, pro­duzindo as melhores peças de cerâmica do mundo me­diterrâneo, ainda quando as margens deste mar já se haviam tornado colónias romanas. E, em nossos dias, ainda perdura a fama dos vaseiros de Atenas e de Samos, de que ainda podem ser vistos inúmeros pratos e taças de delicado acabamento, de fundo negro ou azul, desenhos escarlates. De outro lado, os Gregos foram, durante o domínio romano, os artífices mais apreciados, não só na cerâmica, mas também na ourivesaria, na pintura e em qualquer outro ramo de arte; seu bom gosto, sua filo­sofia, sua literatura, haviam-se imposto aos rudes con­quistadores latinos, que acabaram assimilando, instinti­vamente, a milenária cultura da Hélade.
Também na Itália, entretanto, existia um flores­cente artesanato: os Etruscos, em meados do segundo
milénio antes de Cristo, já fabricavam vasos esmalta­dos, que nada tinham a invejar àqueles de Samos. Cerâ­micas etruscas ornamentavam, além das gregas e persas, as mansões dos patrícios romanos; as formas bizarras, os esmaltes vivos e brilhantes, os vagos desenhos ornamen­tais, conteriam a estes vasos uma preciosidade mais de objeto de arte do que de utensílio de uso cotidiano.
Referimo-nos à Pérsia; aqui, a arte insuperável dos Sumerianos e Babilónios não se extinguira e continuava a produzir, além de ânforas, bacias, taças esculpidas e pintadas, maravilhosos azulejos, para revestir fachadas e vestíbulos. Justamente da Pérsia, os Árabes, que, entre o sexto e o décimo-quarto séculos antes de Cristo, domi­naram quase todo o Mediterrâneo, difundiram aquela técnica da qual ainda hoje admiramos os produtos: na Sicília, na Espanha, na Ásia Menor, por onde se esten­deu o império dos Califas, encontramos palácios fantas­ticamente decorados, com molduras de cerâmica brilhan­tíssima, pátios arabescados e iridescentes, compostos de milhares de azulejos esmaltados. Maiólica era denomi­nada aquela faiança branca, de superfície lisa e vidrada, muito usada na Itália, especialmente no período do Re­nascimento; seu nome deriva de uma ilha do arquinéiago das Baleares (hoje Maiorca), onde os Árabes haviam implantado uma indústria bastante florescente.
Na Itália, os ceramistas continuaram a trabalhar, com velhos sistemas etruscos e gregos, ainda durante os séculos obscuros da Idade Média; no início do Renas­cimento, encontramos produtos manufaturados em Gubbio, Volterra, Faenza, Deruto e Montelupo.
Em todas estas cidades, desenvolveram-se indústrias bem distintas, cada qual com estilo e técnica próprios; os sistemas de cozimento, de esmaltar, a composição das vernizes, tudo era mantido em rigoroso segredo. Basta lembrar, entre os máximos ceramistas italianos, Lucaê Andrea Delia Robbia, que souberam criar aqueles mara­vilhosos baixos-relevos de terracota vidrada e pintada, que se vêem em quase toda parte, nas paredes das "vilas" e dos castelos da Itália Central.
A escola de Faenza ganhou tanta celebridade que deu seu nome a todos os objetos de cerâmica que, da Itália, se difundiam pela Europa; daí o nome faiança, em português, e o de faience, lembrando o nome da cidade da Romanha.
Quanto à porcelana, que vimos nascer das mãos de­licadas dos artífices chineses, sua difusão na Europa não foi notável antes do século XVIII; são famosas, hoje como outrora, as fábricas de Sèvres, na França, e de Carlsruhe, na Alemanha, e, na Itália, as de Capodimonte. Em Sèvres e em Capodimonte, especialmente, são fabri­cadas aquelas graciosas e fragílimas estatuetas, que assu­mem, às vezes, pela perfeição do acabamento ou pela raridade do desenho, excepcional valor artístico.
Falamos na Europa e na Ásia, mas não devemos olvidar que a cerâmica é uma arte de todas as épocas e de todos os povos e que também aqui nas Américas, muitos séculos antes da descoberta de Colombo, fabri­cavam-se vasos esmaltados ou pintados, dignos de figu­rar ao lado dos mais belos da Grécia e do Oriente. No México, os Maias, os Astecas, os Toltecas, produziram grande quantidade de ânforas, finamente esculpidas e maravilhosamente pintadas; no Peru, os íncas, ou mesmo os povos que os precederam no domínio do país. deram vida a um artesanato excepcionalmente hábil e rico de personalidade. A cerâmica, hoje, tanto de uso comum como artístico, é produzida por toda parte, em grandes estabelecimentos ou por pequenos artesãos. Os siste­mas são, fundamentalmente, os mesmos, mas é inegável que a experiência técnica adquiriu tamanha perfeição, que permite resultados extraordinários. As peças artís­ticas, envernizadas e cozidas até vinte vezes, possuem superfícies reluzentes, com tonalidades de ouro e esme­ralda, imitando o brilho do bronze e a transparência da água: vasos, pratos e estatuetas produzidos nos labora­tórios de Faenza e Carlsruhe são tão procuradas quanto um tapete antigo ou um quadro de famoso autor.
No Brasil, bastante adiantada, também, se encontra a indústria da cerâmica, principalmente Minas, Pará e em nosso Estado. Pessoas de nossa mais alta sociedade trabalham em cerâmica, sob a direção de técnicos, pro­duzindo peças que podem ser consideradas verdadeiras obras de arte. Todavia, o mais antigo centro da cerâ­mica, talvez tão antigo como os que citamos, encontra-se na ilha de Marajó, onde foi criado um estilo próprio: o marajoara. São realmente notáveis seus vasos, pratos e urnas, sendo que estas figuram em muitos museus do País.
Longa tem sido a estrada da cerâmica, desde a era neolítica aos nossos dias e, sob os dedos ágeis e inspi­rados do artista, o milagre que transforma um informe bloco de argila numa obra harmoniosa sempre se reno­va, dando vida e luz à matéria mais rude e grosseira que existe.

Enc. Conhecer/ abril
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