2.3.09

A bicicleta

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bicicleta

A bicicleta é assim: ficamos em equilíbrio sobre ela e esquecemos o resto. . . Ela pode subir e des­cer por qualquer estrada. Em caso contrário, nós a apanhamos e vamos andando, empurrando-a para frente, indiferente ao resto. Enfim, a bici­cleta é um sapato, um patim, ela é nós mesmos, o nosso pé transformado em roda. . .

Vamos falar do "cavalo de aço", o mais conhecido e o mais popular dos veículos, companheiro ideal dos rapa­zes, meio de transporte indispensável para os trabalha­dores de cidades planas, como há muitas na Europa, instrumento capaz de qualquer resistência nas mais bri­lhantes competições.
Sua estrutura é uma obra-prima de simplicidade e de racionalidade: um quadro que serve para reunir duas rodas, das quais a traseira é motriz ao passo que a dian­teira é orientadora. Uma concepção tão elementar assim não nos deve levar a crer que a bicicleta tenha surgido de repente, devido a uma genial intuição de um cons­trutor. Muito ao contrário, sua metamorfose foi' até bastante demorada!
O "celerífero", construído pelo Senhor De Siorac, que pode ser considerado como o ancestral da bicicleta e que apareceu em França cerca do ano 1790, era um modelo pesadíssimo, todo de madeira. Esta do 1790 é uma data que encontramos mencionada mais frequen­temente como ano de nascimento da bicicleta, mas exis­tem muitas outras versões igualmente aceitáveis. Muitos, por exemplo, fazem suas origens retroceder até ao ano de 1693 e atribuem a criação do primeiro rudimentar biciclo a um certo Ozanan, professor de letras na Sor-bonne.
Contudo, o "celerífero" do 1790 realizava a ideia de unir duas rodas, uma diante da outra, por meio de uma pequena trave, a cavalo da qual, apoiando os pés no chão, podia-se avançar celeremente, caminhando.
Esta novidade espantosa foi considerada, naquele tempo, uma extravagância e, mesmo excitando a curio­sidade, foi recebida como uma brincadeira divertida. Era, na realidade, um meio de locomoção bastante incómodo, porque devia estar sempre mantido em equilíbrio por quem o cavalgava, não podia obedecer à direção, já que não possuía guidão.
Vinte anos depois, um agrimensor alemão tentou aper­feiçoar a geringonça. Atrelou as duas rodas a um cava­lete de madeira, munido de um esteio e de uma haste que servia de guidão, acrescentando-lhe um selim. Corria o ano de 1815, quando aquele alemão, que se chamava Drais (e por isso o veículo foi chamado "drainienne"), foi visto percorrer as ruas de Mannheim a cavalo de seu aparelho, tocando com os pés, alternadamente, no chão. como se estivesse caminhando a passos largos.

Mas,esta nova versão, tal como acontecera com o "celerífero”', não foi levada a sério: os transeuntes riam.de Drais, consi­derando-o um excêntrico. Ele resolveu, então, realizar uma viagem sensacional: de Karlsruhe foi, com sua "Drai­sienne", até Estrasburgo, em apenas 4 horas, ao invés de 15 ou 16, que era o exigido para quem fosse a pé.
Se esta proeza valeu para abalar a alegre indife­rença do público, não conseguiu, todavia, difundir o uso do veículo, pois o pobre Drais morreu, em 1851, na mais negra miséria. Entretanto, quando a notícia de sua via-gem-recorde chegou à França, Inglaterra e Estados Uni­dos, todos os moços elegantes começaram a exibir-se sobre o novo veículo, apelidado, a princípio, de "Cavalo--brinquedo" e, depois, "Cavalo-janota", justamente porque somente os mais ricos "filhinhos de papai" podiam usá-lo.
Um importante aperfeiçoamento se verificou lá pelo ano de 1855, não se sabe ao certo se graças ao alemão Fisher, de Schweinfurt, ou do francês Michaux, de Paris. A novidade consistia num pedal, fixo na roda dianteira. ísso permitia converter o impulso alternado dos pés no chão pelo ordenado movimento contínuo dos pós sobre os pedais.
O veículo adquiriu, outrossim, maior velocidade, gra­ças à maior dimensão da roda anterior. Nasceu, destarte, o biciclo, construído de ferro. O Michaux, que parece ter sido um ferreiro, em 1861, em Paris, colocou os pedais na roda anterior. Os biciclos começaram, finalmente, a entrar em uso. Mas esse veículo tinha o inconveniente de ser muito pesado, inconveniente acrescido pela esca-brosidade das estradas rurais e da desconexa pavimen­tação das cidades. Contudo, um grande passo à frente foi registrado quando o círculo de ferro das rodas foi dotado de um aro de borracha maciça. Não era muito, dirá alguém, mas já era alguma coisa.

Nos anos seguintes, dada a mania de obter um meio sempre mais veloz, caíram no excesso de construir rodas dianteiras cada vez maiores, emparelhadas com rodas traseiras cada vez mais pequenas. Estes grotescos veí­culos requeriam qualidades acrobáticas para subir ao selim ou para dele descer. Além disso, o equilíbrio do aparelho ficava seriamente comprometido pela posição do homem, que se situava tão alto, na roda dianteira, que bastava qualquer pequena brecada para que ele caísse de nariz ao chão. Foi o francês Sargent que pen­sou em equilibrar melhor o veículo, dotando-o de duas rodas iguais, de média grandeza, mas se atribui ao inglês Starley o mérito de haver tornado o biciclo menor e mais veloz, colocando os pedais no centro, entre as duas rodas, sobre um quadro rígido. A transmissão do movimento à roda traseira ele a obteve utilizando a corrente inven­tada pelo suíço Renold, que nessa ocasião se havia mu­dado para a Inglaterra. Apareceu assim, em 1896, um biciclo ainda imperfeito, porém muito mais prático, dotado de uma roda denteada, grande, nos pedais, e de uma roda denteada, menor, na roda traseira. Estas duas rodas subsidiárias tinham o objetivo de multiplicar, com o auxílio da corrente, o número de voltas e, daí, a energia dispendida nos pedais.
Muito prático, já dissemos, o biciclo de Starley, mas ainda bastante pesado e cansativo, seja pelos atritos das engrenagens, seja pelas duras vibrações ao contacto com o solo. Estes inconvenientes não foram eliminados senão quando se conseguiu adotar pneumáticos e câmaras de ar.
O advento dos primeiros foi apressado por um rapaz, filho de um veterinário inglês, um certo Dunlop. Este, apaixonado pelo ciclismo, mas aborrecido com os tram­bolhões que o veículo provocava, pensou em guarnecer as rodas com câmaras de ar. Estuda e reestuda, e acabou confeccionando, afinal, um tubo de borracha fina e fle­xível que, preenchido de ar por meio de compressão, pudesse ser colocado em redor das rodas. Com a ajuda do pai, conseguiu fabricar, em 1890, os primeiros pneu­máticos (o ar era impulsionado para dentro por uma bomba, e uma válvula lhe impedia a saída). A câmara de ar foi, a seguir, protegida por eventuais furos, medi­ante um cobertor feito de tela de borracha. Nesse ínte­rim, a indústria mecânica de precisão já produzira as primeiras câmaras de ar em esferas que foram adaptadas à bicicleta, de maneira que, ao fim do século passado, esse modelo, cómodo e difundido, já era popular.
Na Itália, a bicicleta apareceu mais tarde do que nos demais países. A exposição de Milão, em 1881, apre­sentou a novidade, que encontrou logo simpatizantes. Quatro anos depois, na mesma cidade, nascia a primeira fábrica, a Bianchi, que ainda hoje mantém no mundo todo o prestígio de suas bicicletas.
Cada fábrica importante que trabalha para a indústria ciclística é, ao mesmo tempo, exportadora e importadora, pois as várias partes de que se compõem esse veículo de uso universal são construídas em séries, por firmas alta­mente especializadas, em diferentes nações. Assim, a fabricação dos tubos de aço trafilado a frio c executada, em grande parte, na Waldless, enquanto as oficinas mecâ­nicas italianas Vilar Perosa (Turim), fornecem, à maior parte das bicicletas do mundo suas câmaras de ar. Ana­logamente, quase todas as .peças de aço temperado que formam o guidão são preparadas por casas especializadas como a Solingen, alemã, ao passo que as correntes têm como berço de origem a Inglaterra e os Estados Unidos, que são também exportadores de robustos selins, deven­do-se incluir, outrossim, entre os grandes centros produ­tores, Suécia e a Suíça.

Uma fábrica que constrói bicicletas de marca concei­tuada encontra, por isso, sua tarefa facilitada. Os tubos são cortados por meio de serras circulares, conjugados entre si por cachimbos ou peças adequadas, e soldados autogênicamente. Por meio de máquinas dobradoras, são retorcidos os tubos que servem para guídão ou os cavaletes para bicicletas de mulheres. O trabalho se reduz, portanto, à montagem, à envernização, às expe­riências, operações que podem ser executadas em secções especiais.
Nestes últimos 'anos, os melhoramentos da bicicleta, em todas as suas partes, sucederam-se incessantemente: quadros cada vez melhor desenhados, sempre mais ro­bustos, sempre mais leves e correspondentes às atuais exigências de economia e resistência; freios sempre mais eficientes; dínamos e faróis menos estorvantes; câmbios de velocidade múltiplos e dispositivos automáticos; pneu­máticos pesados, para fins turísticos, e super-leves para, corrida.

Também o movimento ciclístico está em contínua as­censão, favorecido pelo interesse das massas. Além da Itália, também na França, Bélgica, Suíça, Holanda e em outros países, o ciclismo ocupa um lugar proeminente nas manifestações esportivas. O número de sociedades e veló-dromos filiados à União Ciolistica Internacional, que lhes disciplina a atividade, aumenta de ano para ano, como o das competições sobre estradas e pistas. As grandes competições em etapas, de caráter internacional (como o Giro dltália e o Tour de France) atraem cada vez mais a atenção e o interesse do grande público. A técnica ciclístíca está em crescente progresso e as médias horá­rias são muito superiores às do passado. Aqui no Brasil, a difusão desse útil esporte cresce também intensamente.

Que dizer, então, da Holanda, onde até a própria rainha se utiliza desse popular veículo e onde as bici­cletas inundam as ruas e têm preferência no trânsito? Em certas cidades da Europa, a média de difusão das bicicletas chega à beleza de uma para cada seis ou sete habitantes! Popularíssimo, pois, o "cavalo de aço". E, embora nestes últimos tempos ele esteja sofrendo forte concorrência desse outro utilíssimo aparelho que é a Lambretta, que leva grande vantagem devido ao motor, a bicicleta não se espantou e adotou da mesma forma um motor à sua propulsão e prossegue, impertérrita, em sua marcha. E sua popularidade não será jamais ofuscada devido à sua extrema facilidade, à sua leveza, à sim­plicidade de suas linhas e ao pouco volume que ocupa, pois pode ser guadada em qualquer canto de sala.
Os próprios exércitos modernos estão procurando ado-tar esse pequeno veículo, criando tropas motorizadas, especialmente em serviços de ligação.

Em vários países europeus, vem sendo estudado, desde há muito tempo, um tipo de bicicleta que corresponda aos particulares requisitos de solidez e de pouco peso, ao mesmo tempo, para poder ser transportada ao ombro e permitir facilidade de manejo e movimentos. A solu­ção foi encontrada com a substituição do quadro rígido por outro desmontável, que permite dobrar a metade da frente sobre a traseira, formando um conjunto que pode ser levado às costas tal, qual uma mochila. Para pre­venir o grave inconveniente de furos no pneumático, fo­ram adotados borrachas maciças ou semi-maciças, pro­videnciando-se, ainda, a respeito das consequentes per­das de velocidades com dispositivos capazes de supri­mi-la, por meio de molas no quadro. O peso da bicicleta completamente equipada era de 30 quilos e o rendimento médio de velocidade de 28 a 30 quilómetros. Entretanto, com os modernos engenhos bélicos e a velocidade exigida nas guerras modernas, parece que a popular bicicleta tem que continuar sendo um veículo exclusivamente pacífico e esportivo. E será muito melhor assim.

enc. conhecer abril
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