..
Animal Racional
O homem, que pretende conhecer e explicar tudo o que o cerca, não conseguiu ainda definir de maneira que o satisfaça o que é o próprio ser humano. No entanto, entre as várias definições propostas, a que alcançou maior difusão é a que caracteriza o homem como ser pensante, como animal racional. O termo zoológico — Homo Sapiens — situa o homem na escala animal, distinguindo-o pelo pensamento, pela reflexão, pelo poder de abstração. Por mais complexa e superior que possa parecer essa qualidade aos olhos da psicologia animal, é apenas o desenvolvimento evolutivo do que já existia em germe nas espécies inferiores. E, exatamente, entre estas, algumas constituem sociedades muito bem organizadas; outras dispõem de sistemas de comunicação relativamente desenvolvidos. Mas somente o homem é dotado de uma linguagem que lhe permite comunicar seu pensamento aos semelhantes. No homem, pensamento e linguagem são inseparáveis, de tal forma que se pode dizer que a verbalízação surge como expressão do pensamento. Mas é também verdade que o homern não consegue pensar sem os símbolos fixados pela linguagem verbal.
Uma questão de qualidade
A complexidade crescente do sistema nervoso, na escala evolutiva, atinge no homem uma nova característica. O aumento quantitativo originou qualidades diferentes, transformações tais que permitem apontar no homem uma diferença real de natureza. Seu "cérebro maior" tem possibilidades funcionais que permitem a linguagem, recurso irrealizável pelos cérebros de outros animais, demasiadamente pobres em neurônios.
Há uma idade em que o cérebro "amadurece" para a linguagem; a criança aprende a falar, a comunicar seus desejos e necessidades. É uma etapa fundamental do processo de adaptação à sociedade. O homem desprovido de linguagem, ou cuja linguagem é rudimentar, não é apenas constrangido em suas relações com seus semelhantes, mas fica limitado mesmo no plano subjetívo. A criança criada por lobos, que não dispõe, em seu ambiente, de meios de comunicação verbal, manifesta incipiente desenvolvimento mental. Os surdos-mudos, os afásicos, quando educados tardiamente, têm dificuldades em atingir os níveis de abstração que são possíveis às diferentes faixas de idade.
Alguns filósofos já definiram o homem como animal racional. Pensamento e razão referem-se à linguagem e à reflexão, â capacidade de encadear palavras, de calcular e fazer comparações. Mas nada tão difícil quanto explicar claramente o que significa realmente pensar ou raciocinar.
O pensamento tem sido objeto de investigação de muitas ciências diferentes. A neurofisiologia, a psicologia da inteligência, a epistemologia genética, a lógica, a linguística, a antropologia, todas essas ciências estudam o mesmo fenómeno. Cada uma dedica-se ao mesmo problema, a partir de uma perspectiva diversa. E há ainda os filósofos, com sua abordagem bem particular.
O animal desnaturado
A definição filosófica do homem, que o declara animal racional, indica menos um fato observado do que uma possibilidade, uma capacidade a realizar. A racionalidade admite infinitas gradações que os homens raramente exercem. Mas o homem, segundo certos filósofos, deverá desenvolver sua racionalidade para ser plenamente humano.
O homem define-se a cada momento, em função de suas aspirações. Não é uma realidade terminada, mas um ser inacabado, sempre passível de aperfeiçoar-se.
Talvez não saiba exatamente o que quer, mas sabe com certeza o que não quer. Não quer continuar sendo o que é presentemente, não se satisfaz com o que já alcançou.
É um animal que fala e o único que fala para dizer não, para expressar sua radical insatisfação. E outra característica única: só o homem fala acerca do que não existe, do que não existe ainda. Procura transformar a natureza, superar-se a si próprio. Ser racional seria então ser capaz de operar essas modificações. E a linguagem seria racional na medida em que permitisse a concepção de uma nova realidade e a expressão de novos processos e projetos de transformação da natureza física e da condição humana.
Não há, nesse sentido, uma natureza humana invariável. Os filósofos expressam essa ideia dizendo que o homem é o ser cuja existência precede sua essência. O homem pode ser entendido, em certa medida, como um ser sobrenatural, um animal desnaturado.
Pensamento e ação
Os animais vivem em harmonia com a natureza, na qual estão imersos. O surgimento do homem implica, ao contrário, uma ruptura drástica com essa harmonia natural e o estabelecimento de um novo equilíbrio, frágil e precário, com o meio circundante. Precisa lutar contra os animais selvagens e as intempéries, garantir sua sobrevivência por meio do trabalho. Aprende a dominar o fogo, a domesticar os animais e os vegetais, inventa técnicas como a cerâmica c a tecelagem, desenvolve meios de troca e comunicação, como a moeda e a escrita. Mais do que °Homo sapiens, ou antes disso, êle é Homo faber, ser que trabalha em vista de um fim deliberado.
"No princípio era o Verbo", diz o Evangelho de São João. ''No princípio era o ato", contesta Goethe, pensador alemão. E as duas perspectivas não são exclusivas nem contraditórias. O homem não se contenta em produzir c reproduzir os meios de sua subsistência: esforça-se em conhecer, dominar e explicar o mundo exterior, mas quer sobretudo alcançar a autoconsciência, perceber o lugar que ocupa neste mundo. Pensamento e ação constituem, portanto, dois pólos inseparáveis de uma mesma realidade: o homem pensa para agir.
O pensamento propriamente racional, científico ou filosófico, é apenas uma das formas de representar a realidade e seu advento é tardio.
Lógica e psicologia
Há filósofos que distinguem duas formas de pensamento, dois modos de conhecimento; a intuição, conhecimento imediato e instantâneo de uma coisa ou relação, como na visão; e a razão, o conhecimento discursivo, mediato, que procede por encadeamento de ideias e juízos, raciocinando para chegar a uma conclusão. A primeira é contemplativa; a segunda, a razão discursiva, .é crítica da própria intuição e do conhecimento sensível, procedendo por análise e síntese, indução e dedução, associação das" ideias fornecidas pela intuição.
Pensamento significa também o ato de pensar, como atividade psíquica de um sujeito concreto cm circunstancias determinadas e, ao mesmo tempo, o resultado desse ato, seu produto expresso pela linguagem. A psicologia é a ciência que estuda o pensamento encarado daquele primeiro modo, investigando os fatôrcs que influem na atividade do sujeito pensante. O pensamento como produto social é estudado pela lógica formal e pela cpistemología, ou teoria da ciência, que investigam as leis, as estruturas, as formas do pensamento coerente e verdadeiro, independente do indivíduo. Assim, em sentido amplo, pensamento designa todos os fenómenos psíquicos conscientes. Numa acepção mais restrita, pensamento significa o entendimento, como ato ou produto do trabalho da mente humana.
A busca de explicações
O que são o espírito e a matéria? De onde provêm nossas ideias? Qual é a natureza do universo e de Deus? A alma e a imortalidade, o Bem e o Mal, o Estado e a Sociedade?
Essas questões tem preocupado o homem desde que êle teve suas necessidades vitais relativamente asseguradas, quando dispôs de tempo suficiente para essas divagações. Quando meditou inicialmente sobre essas questões, julgou que a explicação para elas residia num mundo de espírito e forças sobrenaturais personificadas, seres divinos, que êle acreditava governarem o. universo inteiro e todos os aspectos de sua vida. Essas crenças, inicialmente diluídas em torno das forças da natureza, foram sendo elaboradas, Nasceram os mitos, narrativas literárias, formas simbólicas de representar o mundo.
O mito é a primeira representação que o homem faz de si mesmo e de seu mundo. Uma de suas funções é dar um sentido a vida e ao universo, constituir, por meio de ficção poética, um envoltório protetor onde o homem sinta segurança. Trata-se de atenuar a ruptura com a harmonia primitiva, com a existência natural, evocando um paraíso perdido, imaginando um paraíso futuro, capaz de afastar o sofrimento presente e o temor da morte inelutável. O tempo mesmo é suprimido em benefício da repetição cíclica, imagem da eternidade. E os homens que partilham dessas concepções, património da comunidade inteira, buscam no sobrenatural a explicação e o consôio para os problemas do día-a-dia.
Essa reflexão mítico-religiosa, formada nas comunidades primitivas, desenvolveu-se e teve seu apogeu nas grandes civilizações orientais, que surgiram nos vales dos grandes rios, no Egito e na Mesopotâmia. Apesar de uma aparente ingenuidade, continha uma forma de racionalização, expressa mito-poèticamente, que serviu de ponto de partida para a reflexão critica, para o pensamento filosófico e científico. E, além de desenvolver religiões complexas, as grandes civilizações pré-helênicas dispunham de rudimentos de ciências como a medicina, a astronomia e a geometria.
É verdade que a astronomia babilónica era ainda uma espécie de astrologia, tendo por finalidade a confecção de horóscopos. A geometria egípcia também era orientada para fins utilitários, consistindo antes numa técnica de medição de terrenos, agrimensura. Mas aí estavam os germes do pensamento racional, da investigação metódica e teorizante, da demonstração lógica e do espírito científico que os gregos testemunharam.
Assim, se a reflexão sobre a vida e o universo é tão antiga quanto a humanidade, ela só assume a forma do pensamento sistemático e racional nas cidades gregas, por volta do século VI a.C. Por isso a filosofia e a ciência costumam ser apresentadas como uma conquista da civilização grega.
Na Grécia, a filosofia c a ciência desenvolvem-se na época da desintegração das crenças religiosas e dos costumes morais primitivos. Tal ocorrência permitiu que fossem colocados em outros termos os problemas relativos à natureza do universo e ao destino humano, favorecendo a valorização do indivíduo e a livre reflexão, a crítica científica e a dúvida filosófica. Passou-se a dispensar as explicações da mitologia, bem como a mostrar fenómenos por suas causas naturais, a representar o universo como cosmos, sistema ordenado que se expressa em leis rigorosas. Quiseram tornar compreensível o mundo à luz da Razão e tornar racional o comportamento do homem no interior da polis; da comunidade política.
A filosofia surge quando a cisão no interior da sociedade se acentua. Quando a cidade é dividida por interesses contraditórios queseparam os homens. Com a desarmonia entre os homens desaparece a certeza, garantida pelo sistema único de opiniões aceitas por todos. O conflito entre inúmeras opiniões divergentes — manifestações de interesses particulares que querem impor-se pela força — fará surgir o discurso lógico-filosófico, como o lugar onde as opiniões contraditórias e os interesses antagónicos se enfrentam. No diálogo, a violência nua do interesse é sublimada em benefício da persuasão. A filosofia aparece como substituto e alternativa para a violência que é o limite do discurso.
Nasce o projeto de constituir uma Lógica, como tentativa de substituir a opinião, o falar do homem singular e o interesse privado por um discurso coerente c legitimado, discurso impessoal e objetivo que não seja mais o falar de um homem, mas o falar do Homem, manifestação autêntica da Razão, do interesse geral, presença do Logos.
A Lógica irá determinar a filosofia como esboço de pedagogia política, como tentativa de submeter novamente o indivíduo ao interesse universal demonstrado racionalmente. O que é pressuposto é aquela definição do homem, onde a diferença específica, a racio-nalidade, deverá triunfar finalmente sobre o elemento genérico da animalidade (embora tenha variado o significado de "razão").
O fracasso dessa pedagogia e a sobrevivência da violência transformarão a filosofia e a lógica em discurso ontológico, metafísico. Na impossibilidade de abolir a contradição no seio do mundo, por meio do discurso, resta a alternativa de abolir a contradição no seio do discurso, e retirá-lo depois do mundo da contradição.
A missão da filosofia era revelar o que são a humanidade, a Razão, o que querem realmente os homens, o que é legítimo desejar e esperar como satisfação, num certo momento da história da humanidade.
O cérebro, computador vivo
Para os antigos egípcios, o cérebro era um órgão inteiramente desprezível. Ao embalsamarem o corpo, conservavam o coração, o fígado e outras vísceras em urnas especiais. O cérebro era jogado fora. O coração, que pulsa ativamente, carregado de sangue, assumia o valor de símbolo da vida, em contraposição ao cérebro, frio e cinzento.
Após séculos de civilização e conquistas, o homem aprendeu a construir complicados computadores eletrônicos, cujo manejo e funcionamento estão fora do alcance da maioria das pessoas. Toda essa longa evolução resulta do trabalho de uma rigorosa e elaborada organização de um "computador" central, que o homem traz desde o nascimento. É o cérebro, com sua ampla rede de distribuição de mensagens nervosas, o responsável pelo pensamento, pela ação, pela razão, que distinguem o ser humano dos outros animais.
O cérebro humano distingue-se do de todos os outros mamíferos, tanto pelo tamanho quanto pela estrutura. Em qualquer espécie,, a principal missão do cérebro é centralizar as atividades desempenhadas pelo organismo como conjunto global. No homem, as atividades são mais diversificadas e especializadas. Êle é capaz de abstrair, de raciocinar, de analisar seu próprio comportamento. É um animal racional, dirigido por um comando central extremamente elaborado.
enc. conhecer abril
..